Quando uma cidade se une

Nós, brasileiros, somos muito bons em reclamar e melhores ainda em esperar que os outros resolvam os nossos problemas. Como pagamos impostos, acreditamos cegamente que a Prefeitura, o Estado e o governo federal têm o dever de nos tirar de qualquer enrascada. Vale para a rua esburacada, para as filas no serviço público, para a falta de professores na escola dos nossos filhos, para as altas taxas de juros dos bancos, para o produto vencido na gôndola do supermercado… “Alguém tem de resolver isso!”, gritamos a plenos pulmões, talvez na expectativa de que desça dos céus uma divindade qualquer para dar um jeito.
Já faz algum tempo que o comércio de flores do Centro reclama da concorrência desleal de um vendedor ambulante. Há anos, nas manhãs de sábado, ele estaciona uma van na esquina das ruas Ramiro Barcelos e Osvaldo Aranha para atender a clientela. Como não paga aluguel, luz, água e impostos, obviamente consegue vender rosas, margaridas, lírios e outras belezas por valores menores que os praticados pelo comércio estabelecido. Ainda que seja um problema, o poder público diz que as leis estão sendo cumpridas e nada pode fazer.
Os lojistas, obviamente, seguem reclamando e vendo seu produto encalhar, mas não precisariam. Se fossem unidos, ocupariam, com seus próprios carros, os locais onde ele costuma parar e o obrigariam a, pelo menos, “revezar” o endereço. Não é difícil, mas exige atitude, este sim um produto que não se encontra em qualquer esquina.
Lembrei dessa situação quando li, na quarta-feira, sobre uma verdadeira lição de união e cidadania que nos deu a comunidade de Ostritz, na Saxônia (Alemanha). Com uma população de 2.500 moradores, a cidade foi palco de um evento chamado Schild und Schwert (escudo e espada), organizado por um grupo de extrema-direita defensor do nazismo. Como a maioria da população é contra esse tipo de pregação, os moradores resolveram agir.
Primeiro, conseguiram um aumento do efetivo policial durante o festival. Depois, asseguraram-se com as autoridades de que seria proibida a comercialização de bebidas durante a programação. O álcool costuma potencializar as emoções e pode ser um combustível perigoso quando o organismo já está propenso ao ódio e à discriminação. E, finalmente, “secaram” a cidade. De maneira coordenada, adquiriram toda a cerveja que estava à venda nos supermercados. Os nazis com sede tiveram de beber água. O evento aconteceu, mas, apesar da pauta explosiva, deve entrar para a história como um dos mais calmos e ordeiros realizados até hoje. E é bem provável que não ocorram novas edições em Ostritz.
Obviamente que a maioria dos nossos problemas não pode ser comparada com a situação vivida pela cidadezinha alemã, mas as nossas atitudes, sim. Se a pequena comunidade tivesse ficado inerte, possivelmente teria sido palco de muitos incidentes e até se tornado um cartão-postal das ideias mais perigosas da história, que possuem admiradores por aqui também. Ao invés disso, os moradores foram à luta, em sintonia com o poder público, para mudar sua realidade e escrever uma nova história.
Nós podemos fazer isso, em outras dimensões. Se a gente parar de reclamar, sair do Facebook e encarar os problemas, muitos deles serão resolvidos rapidamente. É verdade que o governo, nas suas diferentes formas, tem deveres com o contribuinte, mas esperar que ele faça tudo, a história nos mostra, não mudará a nossa realidade. Como recomendou John Kennedy, não pergunte o que seu país pode fazer por você, mas o que você pode fazer pelo seu país. Se todos apenas cuidarem da frente das suas casas, nossa cidade já será muito melhor. E, unidos, podemos até pressionar por uma redução nos impostos. É pedir muito?

Últimas Notícias

Destaques