Não sou muito de comemorar a virada de ano. Natal, sim, é uma data importante, para se estar com a família e com outras pessoas que também amamos. Já o Révellion, para mim, é apenas a virada de mais uma folha no calendário. O dia 1º de janeiro normalmente chega com os mesmos problemas e oportunidades que estavam à nossa frente em 31 de dezembro. A vida segue o mesmo ritmo, com tarefas a cumprir, filhos para educar e boletos a pagar. Contudo, não posso negar que o epílogo de 2020 tem um sabor especial. Foi um ano difícil, especialmente por causa da pandemia do novo coronavírus, mas o nascer do sol de sexta-feira não terá o poder mágico de mudar esta realidade.
Pareço pessimista, eu sei, mas não é nada disso. Prefiro dizer que sou realista. É claro que a vacina está cada vez mais próxima, que a economia tende a reagir e o desemprego a diminuir. Contudo, nada disso é fruto da virada do ano, mas de um instinto natural que nos leva a lutar pela vida o tempo todo. Isso merece um brinde, que pode ser feito à meia-noite de quinta ou a qualquer outro momento. A renovação das esperanças não requer um feriado. Ela ocorre cada vez que respiramos e nos tornamos melhores. Infelizmente, desperdiçamos estas oportunidades o tempo todo. E é sobre isso que desejo falar.
Esta semana, a imprensa divulgou com estardalhaço a organização de uma grande festa da virada pelo jogador de futebol Neymar, craque da seleção brasileira e do Paris Saint-Germain. O número de convidados foi estimado em 500 e o rega-bofe ocorreria num condomínio de luxo em Mangaratiba, litoral do Rio de Janeiro. Imediatamente, as críticas nas redes sociais se transformaram em uma avalanche e a assessoria de imprensa do atleta negou que ele fosse o organizador. Também afirmou que a quantidade de participantes seria bem menor: 150.
Num país carente de heróis como o nosso, é fácil virar ídolo das multidões quando se tem talento ou muita força de vontade, especialmente no esporte. A fama, porém, não é gratuita. Artistas, boleiros e profissionais renovados precisam entender que não devem ser apenas referências para a sociedade, mas exemplos positivos. Num momento em que centenas de pessoas morrem diariamente de Covid-19 e quase 200 mil famílias já enterraram um ente querido, qualquer aglomeração é um perigo. O distanciamento social é comprovadamente a melhor forma de frear a pandemia.
Então, considerando o momento, por que Neymar se envolveu num episódio desta magnitude? Porque ele, assim como muitos outros, não entende que tem um papel social a cumprir. Que a fama o transforma num modelo seguido por milhões de pessoas. E que, nesta condição, tem a obrigação de inspirar comportamentos edificantes. Talvez ele até quisesse apenas jogar futebol e não se tornar um ídolo. Pode ser, mas a verdade é que grandes poderes trazem grandes responsabilidades. O conceito vem dos gregos, mas foi amplamente difundido pela cultura pop, através do personagem Homem Aranha. Parece que Neymar não lia gibis.
No dia em que 2020 chega ao fim, meu único desejo é que todos possamos desenvolver consciência sobre nossos atos, antevendo as consequências de cada decisão. Em 2021, vamos vencer a pandemia, não tenho dúvidas, mas será muito mais fácil e rápido se cada um colaborar. A imunização de toda a população ainda vai demorar e muitos tombarão no meio do caminho porque desprezaram a Ciência, não usaram máscaras e álcool gel ou abraçaram quando deveriam cumprimentar de longe ou telefonar. Não sejamos mortos pela ignorância!