O poder do medo

Filmes baseados em temas históricos sempre foram os meus favoritos e, desde os tempos da Video’s Haus, na hora de escolher, são principalmente eles que conquistam minha atenção. Não é diferente na Netflix e, esta semana, deparei-me com mais uma pérola perdida no oceano dos blockbusters. Chama-se “A trincheira infinita”, uma produção despretensiosa de 2019 que, mesmo assim, conquistou vários prêmios. A obra aborda, de forma crua e claustrofóbica, os efeitos da Guerra Civil Espanhola, que derramou muito sangue a partir de 1936. Se você pretende assistir e não gosta de spoilers, pare agora.

A trama conta a história de Higinio, um republicano que passa três décadas num esconderijo dentro de sua própria casa por medo de ser detido e executado pelo franquismo. Na década de 30 do século passado, os espanhóis experimentaram um curto período democrático, após a ditadura de Miguel Primo Rivera. O problema é que o governo eleito manifestava inclinações socialistas e os mais conservadores estavam com medo de perder os privilégios de que gozavam no antigo regime. Para recuperar seu poder, escolheram o general Francisco Franco para dar cabo dos “comunistas”. Só que a população estava cansada do arbítrio e resolveu reagir.

O filme começa com Higinio e seus amigos sendo delatados por um vizinho – fanático de direita – numa pequena cidade da Andaluzia. Muitos foram presos ou executados, mas ele consegue fugir e, com a ajuda do pai e da esposa, passa a viver atrás de uma parede falsa. O buraco é acessado através de um pequeno armário e o personagem acompanha o dia a dia espiando através de pequenos furos. Tomado pelo medo, ele sai do esconderijo somente à noite. À esposa, sobra o peso de manter a família com sua profissão de costureira.

Higinio sonha com a volta à “normalidade”. Primeiro, torce para que os socialistas vençam a guerra civil, mas a força das armas coloca Franco no poder. Depois, acredita que se os Aliados ganharem a 2ª Guerra Mundial, logo eles marcharão até a Península Ibérica para devolver a Democracia à Espanha, só que isso também não acontece. Temendo a morte, o ex-guerrilheiro vê o tempo passar, o filho crescendo e questionando sua falta de coragem e a esposa se cansando de ser uma refém da situação. Ele fica assim por inacreditáveis 33 anos, até que o governo, em 1969, publica um decreto de Anistia.

“A trincheira infinita” traz uma aula sobre o medo e suas consequências. Não estou falando do receio da morte ou de contrair uma doença durante uma pandemia. Estes são plenamente justificados. Falo dos medos diários, que congelam, anestesiam e nos deixam infelizes. Refiro-me a jovens que se entregam a relações abusivas porque temem ficar sozinhas. A trabalhadores que não gostam do emprego, mas permanecem na firma porque não querem abrir mão da multa rescisória e se acham incapazes de ganhar mais em outro lugar. Penso nos empresários que vêem seus negócios morrerem lentamente, mas não mudam seu foco porque temem ser abatidos pela crise.

O medo é uma droga poderosa. A boa notícia é que existe tratamento. Não tenha vergonha de recorrer a auxílio profissional para vencê-lo. O que não se pode é ficar refém das escolhas e agir como se tudo estivesse bem quando não estamos felizes e satisfeitos. Óbvio que não podemos agir como “heróis” em todas as circunstâncias, mas a vida é muito linda – e curta – para ser desperdiçada nas prisões que nós mesmos criamos. Às vezes, é preciso arriscar, entregar-se ao destino e acreditar que a sorte só existe para quem arrisca. Eventualmente, todos habitamos alguma “trincheira”, mas ela não pode se tornar “infinita”.

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