Nem no céu e nem no inferno

Grande parte da população brasileira é preconceituosa. Calma! Leia mais um pouco antes de atirar a primeira pedra! Quem de nós já não se referiu a negros como seres inferiores ou considerou as mulheres menos preparadas para determinadas profissões? Quantas vezes desprezamos o conhecimento empírico porque valorizamos demais quem tem diploma na parede? Pense bem e você certamente lembrará de situações em que teve medo de ser assaltado porque cruzou na rua com alguém “mal encarado”. Sem falar nos deficientes e nos idosos, em geral enquadrados como aqueles que “mais atrapalham do que ajudam”. E os presos? Bom, para eles, a maioria quer apenas sofrimento e dor. “Bandido bom é bandido morto!”, grita-se aos quatro cantos.
A chegada da extrema-direita ao poder no Brasil implodiu os muros que mantinham estas manifestações de ódio represadas. O Brasil não mudou, apenas perdeu a vergonha – e o medo em alguns casos – de dizer o que pensa e de agir de acordo com ideias que faziam mais sentido na Idade Média do que agora. Sobre os criminosos, por exemplo, é quase consenso de que eles devem ficar enjaulados em espaços pequenos, úmidos, com pouca comida e amontoados uns sobre os outros. Afinal, se mataram e estupraram, que se ferrem. E se morrerem por conta das condições insalubres do cárcere, tanto melhor para a sociedade, que não terá de pagar por sua guarda.
Com grande vergonha, preciso dizer que, na adolescência, já pensei assim. Não sei se a idade me amoleceu ou se o convívio com pessoas mais racionais ajudou a abrir meus olhos e a reformular minha opinião. Continuo achando que os criminosos devem ser presos e pagar por aquilo que fizeram. Também entendo que o tempo máximo de confinamento precisa ser bem maior do que 30 anos para os crimes mais graves. Contudo, hoje estou convicto de que estas pessoas não devem ser tratadas como “animais”. Aliás, em muitas prisões, elas vivem em condições muito piores.
Não é apenas pela consciência de que não podemos impor aos outros aquilo que não desejamos para nós. Tampouco porque a igreja nos estimula a perdoar e a ser misericordiosos. Nem mesmo porque os maus tratos só aguçam ainda mais a violência e transformam as cadeias em barris de pólvora que, ao explodirem, causam estragos em toda a sociedade. Na verdade, é a soma de tudo isso, mais a consciência de que, um dia, eles serão soltos e voltarão para as ruas ainda mais violentos do que quando entraram.
O sistema prisional brasileiro, por causa da superlotação e das condições subumanas, salvo raríssimas exceções, não recupera o apenado. E junto com estupradores, traficantes e assassinos, há também pessoas que não têm uma índole criminosa. Estou falando de gente irresponsável, que bebeu antes de dirigir e causou um acidente mortal, ou que tem o “pavio curto” e feriu gravemente alguém durante uma briga. Pode acontecer com qualquer um, nosso filho, irmão, sobrinho… Além disso, grande parte dos prisioneiros sequer foi julgada e condenada, mas passa longas temporadas no inferno aguardando, muitas vezes, por um veredicto de inocente.
O mais curioso é que esse desejo de justiça ao estilo “olho por olho” costuma ser seletivo. Bandidos do colarinho branco, tão letais quanto os traficantes, por exemplo, ficam em prisão domiciliar, sem que isso incomode o cidadão de bem na mesma escala. Os desvios de dinheiro público assassinam doentes nas filas de hospitais e PMs nos enfrentamentos com as quadrilhas porque o Estado não tem recursos suficientes para remédios e para armar os policiais adequadamente. Enquanto as cadeias estão cheias de bandidos que atuam no “varejo”, os corruptos matam no “atacado” mas vivem “presos” em suas casas com piscina, TV a cabo, quadras de tênis e bebendo uísque importado. Ao mesmo tempo em que uns ardem no inferno, outros desfrutam as delícias do céu. Equilíbrio, por favor!

Últimas Notícias

Destaques