Monstros à espreita

Nada é mais covarde do que o crime praticado contra uma criança. Especialmente quando o algoz é alguém da família ou uma pessoa na qual ela confia cegamente. O adulto, seja pai, mãe, irmão mais velho, tio ou avô, que se aproveita dessa condição é a pior espécie de ser humano que existe. Criminosos desse quilate devem ser punidos até o limite da lei, para que outros não se sintam estimulados a repetir sua covardia diante da omissão do Estado.
Parece que todos concordamos com isso, o que torna paradoxal o resultado de um estudo do Ministério da Saúde sobre este assunto. Entre 2011 e 2017, foram notificados 141.105 casos de violência sexual envolvendo menores no Brasil. Destes, 58.037 (41,2%) contra crianças e 83.068 (58,8%) contra adolescentes. Em torno de 65% das ocorrências tiveram a casa das pequenas vítimas como palco e, em 35% das ocorrências, os abusadores tinham algum vínculo familiar com elas. Na divisão por gênero, as meninas foram as mais visadas, mas, entre as crianças, pelo menos 26% eram do sexo masculino.
São ocorrências como o que foi divulgada semana passada pela imprensa em Goiás. No dia 11, um idoso de 72 anos foi preso suspeito de estuprar a neta, de apenas nove anos. O fato aconteceu em Indiara, no sudoeste do Estado. A menina denunciou o crime após assistir a uma palestra na escola sobre abuso sexual. O curioso – e infelizmente bastante comum – é que a avó da vítima defendeu o marido e enviou áudios para a nora culpando a menor pelo crime. O agressor negou as acusações, mas foi preso.
A criança explicou para a Polícia que os abusos aconteciam há cerca de um ano. A avó, porém, defendeu o marido. “[…] Ele falava que essa menina era muito ‘fogueteira’. Vivia só em ‘riba’ dele, querendo dinheiro com ele. […] Esfregando nele por causa de dinheiro. Vai indo, o homem não aguenta”, alegou a idosa. É justamente essa cumplicidade dos membros da família que alimenta as monstruosidades. Às vezes, outras pessoas sabem o que está ocorrendo, mas, por qualquer motivo, omitem-se e condenam a vítima a continuar sendo estuprada indefinidamente. E o menor, mesmo sabendo que algo errado acontece, tem vergonha e, principalmente, medo de pedir ajuda.
Muita gente é contra a educação sexual nas escolas e alega que falar do assunto com as crianças “muito cedo” pode queimar etapas e estimular a erotização precoce. De fato, nem todos os “educadores” estão aptos o tratar do tema com os menores, mas as estatísticas provam que a Pedofilia é um crime comum demais em nossa sociedade e as aulas são, muitas vezes, a única forma de identificar os “predadores”. Ignorar essa realidade é ser cúmplice, é participar do estupro.
Menores de dez anos e até com menos idade talvez não estejam mesmo prontos para assimilar certas informações, mas, com cuidado e bom senso, é preciso armá-los contra os monstros que estão à espreita. Ou será que esta é apenas uma desculpa esfarrapada, usada por quem tem algo a temer? Como disse o filósofo grego Platão, “Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz”.

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