Quando me tornei editor do Jornal Ibiá, lá nos anos 90, uma das tarefas que me coube foi a seleção de novos repórteres para a Redação. Graças a um programa de Qualidade Total que a empresa desenvolvia na época, firmamos a convicção de que era preciso ser muito criterioso nas contratações, pois a necessidade de substituir uma pessoa, além dos custos envolvidos, significava grande perda de tempo em treinamento. Como nunca havia feito isso antes, matriculei-me num cursinho de extensão na Unisinos para aprender. Durante cinco noites, numa fria semana de Inverno – tempo de férias – busquei o conhecimento que julgava suficiente para, enfim, realizar a tarefa.
O processo que desenvolvemos consistia basicamente em duas etapas: teste escrito e entrevista. Na primeira fase, era preciso responder a um extenso questionário com quase 50 perguntas de Língua Portuguesa e conhecimentos gerais. No fim, o candidato elaborava um pequeno texto a partir de um conjunto de informações previamente fornecidas. O tema era um homicídio. As respostas permitiam avaliar o aproveitamento escolar dos participantes, seu domínio sobre os fatos do dia a dia e, finalmente, se conseguia escrever com lógica e correção. Na época, não havia muitos estudantes de Jornalismo e a maioria dos contratados estava no “2º grau” ou o tinha concluído há pouco tempo.
Os aspirantes com melhor desempenho na prova eram, então, chamados para a entrevista. Hábitos de leitura, programas de TV e filmes preferidos, leituras de livros, jornais e revistas dominavam o bate-papo. Também havia questionamentos sobre relações familiares, hábitos de consumo, experiências anteriores e habilidades. A pretensão era traçar um perfil para selecionar aqueles que pudessem ter o melhor desempenho nas atividades do Jornalismo, combinando os interesses da empresa com a satisfação do futuro colaborador. A pessoa certa no lugar certo, como diz o político Chacall.
Ocorre que, numa dessas entrevistas, pedi a uma candidata de uns 18 anos que listasse, na opinião dela, suas principais qualidades. Não lembro do que ela disse, mas jamais esquecerei do que falou em seguida, ao ser desafiada a apontar seu principal defeito. “Eu acho que sou meio falsa”, declarou, sem pestanejar. Fez-se um longo silêncio, daqueles que devem reinar nos túmulos sob a terra. Fiquei tão surpreso que levei alguns segundos para assimilar a frase. Quando perguntei o que isso significava, a candidata deve ter se dado conta da “bola fora” e tentou remendar com um “não foi isso que eu quis dizer”. Pelo sim, pelo não, optei por outra jovem, que ficou conosco uns cinco anos, formou-se em Jornalismo e escreveu uma carreira de sucesso.
Passados 25 anos, hoje talvez eu daria uma oportunidade àquela moça. Não porque meu nível de tolerância com a falsidade seja maior, mas talvez porque entenda que nem sempre a gente consegue se expressar da melhor forma, especialmente num momento de pressão. Muitas vezes nos vemos em situações em que faltam palavras para definir nossos sentimentos. Ou em que simplesmente somos obrigados a calar para não ofender ou sacrificar uma amizade. Conviver com as diferenças, eventualmente, obriga-nos até a mentir para não parecer – e ser – estúpido ou grosseiro.
A sociedade e a experiência nos impõem padrões de comportamento que devemos seguir para não causar rupturas. Não existe nada mais cansativo do que conviver com pessoas que se comportam como fios desencapados, sempre prontas para, em nome da SUA verdade, distribuir “choques”, criar atritos e explosões. As palavras têm mais poder do que a maioria sequer imagina e sinceridade em excesso pode ser suicídio. Sincericídio!