Estamos nos acostumando?

No ano passado, quando a pandemia do novo coronavírus começou a ceifar milhares de vidas no Brasil e as únicas medidas de enfrentamento, como efeito colateral, sacrificaram a economia, todos começaram a sonhar com uma vacina. A tal ponto de uma agulhada se tornar o sonho de consumo de grande parte da população. O desejo de voltar à vida normal, de abraçar os amigos, de fazer uma “aglomeração” com a turma levou muita gente a pressionar o governo para acelerar a oferta de imunizantes. Demorou, mas eles apareceram e a aplicação iniciou, infelizmente, num ritmo bem mais lento do que o necessário – e desejado.

De fato, a vacina é a arma mais eficaz para vencer a guerra e o clamor para recebê-la é plenamente justificado. Por isso que se torna tão difícil entender quando cerca de 350 idosos, que já receberam a primeira dose e deveriam ter feito o reforço, simplesmente não compareceram ainda ao Parque Centenário. Não custa lembrar que a aplicação de apenas uma injeção não é suficiente para garantir a imunização. Logo, estas pessoas podem ser infectadas e acabar morrendo. Lamentável, especialmente quando tantos outros não veem a hora de chegar a sua vez.

Obviamente, pessoas com mais de 70 e 80 anos, muitas vezes, têm dificuldade de fazer este controle. Nestes casos, porém, quem deve desempenhar este papel são os filhos, netos ou qualquer outro familiar. Inclusive, o Estatuto do Idoso estabelece penalidades em casos de “abandono” deste tipo. Quando o assunto ganhou a mídia e as redes sociais, não foi difícil perceber que os verdadeiros culpados são bem mais jovens do que os “ausentes”.

Infelizmente, tem muita gente mal acostumada. Acham que as prefeituras devem ir atrás dos idosos e levar a vacina até suas casas. Seria ótimo, se houvesse equipe e infraestrutura suficiente. Também defendem que o poder público pague carros de som para circular pelas ruas, quando todas estas informações estão na mídia e nas redes sociais. Basta alguns minutos ao celular para se apropriar delas, mas talvez seja mais interessante assistir a um vídeo do Tik Tok.

Até parece que, como em quase tudo, muitos brasileiros se acostumaram à pandemia. As mortes, mesmo que sejam quase 3 mil por dia, já não causam espanto. Nem mesmo quando o coronavírus assume a identidade de um amigo ou familiar morto. A culpa deve ser da mesma tolerância que desenvolvemos à corrupção, ao jeitinho, à violência, à fome e a tantas outras mazelas. Essa velha mania de apertar a tecla F -SE nos mantém eternamente presos à nossa pequenez.

Esta semana, zapeando pelas redes, caiu-me na tela uma matéria sobre mensagens de áudio e vídeo que algumas pessoas enviaram aos seus familiares momentos antes de serem intubadas, quando as chances de voltar da UTI já são escassas. Em geral, são declarações de amor e pedidos de desculpas por erros que cometeram, decisões equivocadas e omissões lúcidas ao longo da vida. Foi pesado, doloroso, pungente. Foi triste, mas verdadeiro. Fiquei com a impressão de que a maioria deles experimentava um misto de arrependimento com conformismo, talvez porque, no fundo, pudessem ter evitado chegar àquela situação.

Então, meus amigos, convido-os a continuar lutando contra a pandemia e, principalmente, a abandonar a postura passiva de esperar que os outros – especialmente o poder público – faça por nós. Busque informações sobre a vacina com o mesmo interesse com que vasculha a internet atrás de vídeos engraçados ou fofocas sobre o Big Brother Brasil. E, quando chegar a sua vez, vá ao Parque Centenário nas duas aplicações. A vida é um bem precioso demais para ser entregue nas mãos de terceiros ou ao acaso.

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