Em meados dos anos 90, em questão de meses, vários restaurantes da cidade aderiram à comida a quilo. A possibilidade de pagar apenas pelo que se consumia rapidamente seduziu as pessoas, especialmente quem trabalhava no Centro e tinha pouco tempo para as refeições. A comida se tornou mais barata, eliminou-se as sobras e os estabelecimentos, que antes atendiam de 20 a 30 clientes no máximo, tiveram de ampliar seus salões e contratar mais funcionários para dar conta da crescente demanda. Todos ganharam.
Por mais vantajoso que o novo sistema fosse, porém, certos “tipos” queriam mais. No começo, na hora de pagar a conta, era comum ver consumidores no balcão alegando que haviam perdido a comanda ou contestando o peso assinalado pelo funcionário que controlava a balança. Em geral, os donos dos estabelecimentos, para não “criar caso”, assumiam o prejuízo, ainda que o cheiro da safadeza fosse mais azedo que o do rabanete em conserva.
Certo dia, testemunhei um desses episódios. Na hora de pagar, na minha frente, havia um casal, figuras conhecidas naquele ambiente. Ele, funcionário de uma empresa de tecnologia e ela, secretária em um escritório de contabilidade. Num tom de voz levemente alterado, o homem dizia que o peso registrado era incompatível com a leveza do alface, do arroz e do bife acebolado que havia consumido. Em valores atuais, acredito que a diferença seria de uns R$ 5,00.
O proprietário admitiu que poderia ter havido um erro e cobrou menos. Eles partiram e, logo depois de acertar a minha conta, saí também. A dupla andava de mãos dadas pela calçada, poucos metros à minha frente. Ouvi claramente quando, em tom de deboche, comemoravam o sucesso do pequeno golpe. A diferença que deixaram de pagar seria “investida” num sorvete. Espero que tenha feito mal!
Lembrei dessa história na semana passada, depois que uma mulher foi flagrada colocando fios de cabelo num cachorro-quente para não precisar pagá-lo. Aconteceu em Mandaguaçu, no norte do Paraná. As imagens das câmeras de segurança flagraram a “chinelagem”. Quando faltavam apenas algumas mordidas para terminar a refeição, ela leva a mão esquerda à cabeça, arranca alguns fios e os coloca no meio do pão. Em seguida, vai até o balcão e reclama. O dono lhe dá outro lanche e, no fim, cobra apenas um. Porém, fica intrigado, pois o responsável pelo preparo é… careca. Mais tarde, através do vídeo, percebe que foi enganado.
Pequenos golpes como o que testemunhei há cerca de 25 anos e o que foi filmado no Paraná acontecem aos montes, todos os dias. Há quem considere esse “jeitinho” uma característica do brasileiro, um traço da nossa personalidade. Até músicas existem para exaltar esta esperteza nacional, como se fosse sadia e inofensiva. Nada disso! São delitos e o sucesso nessas investidas encoraja crimes piores, como assaltos, tráfico de drogas e até homicídios.
A impunidade está na raiz dos grandes problemas brasileiros. Justamente porque não castigamos de forma mais dura os “pequenos deslizes”, evidências claras da falta de caráter, vivemos eternamente com medo de ser enganados. Um adágio popular diz que “a ocasião faz o ladrão”. Se houvesse a certeza de que vão se dar mal, talvez nem tentassem. Quando ouvi a conversa daquele casal de trambiqueiros, lá nos anos 90, eu deveria ter contado ao dono do restaurante, para que ele ficasse mais atento. Não o fiz porque fiquei com receio de ser confrontado e, por não ter provas, acabar me tornando o vilão da história. Errei, eu admito. Estamos numa situação em que não basta ser honesto. É preciso impedir que os outros roubem.