Em berço esplêndido

Com frequência cada vez maior, tenho sido acometido por crises de insônia. É da idade, dizem uns. Herança genética, apontam outros. De fato, já não posso me alinhar na fila dos mais jovens e, sim, há outros casos na família. Enfim, durmo pouco à noite e tenho sono de dia, geralmente quando estou lendo ou assistindo TV. Domingo passado, justamente quando poderia ficar na cama até mais tarde, aconteceu de novo. Ao invés de brigar com o travesseiro, decidi levantar e dar uma volta pela cidade.

O passeio começou antes das 7h. Iniciei pelo Centro, fui para a Cinco de Maio, Timbaúva, São Paulo, Aeroclube e Germano Henke. Na volta, vim pela beira do Rio, entrei no Municipal e depois na Industrial. Novamente no Centro, tomei a Buarque e ingressei no Progresso, “desci” até o São João e, no retorno, visitei Centenário e Rui Barbosa. Depois de atravessar a faixa, circulei ainda pela Santo Antônio. Foram uns 90 minutos dirigindo em baixa velocidade.

Com as ruas desertas e o silêncio quebrado apenas pelo latido dos cães, uma situação chamou a atenção: a total ausência de qualquer vestígio das eleições. Não achei uma mísera bandeira ou adesivo de janela. Nem parece que estamos há poucos dias do pleito que irá decidir quem serão nossos vereadores e prefeito pelos próximos quatro anos. A apatia é total e confirma a impressão que eu já tinha: são poucos os que estão interessados na disputa.

A legislação mudou muito nos últimos anos. Ao proibir as doações eleitorais por empresas, os partidos ficaram sem dinheiro para quase tudo. Carros de som, outdoors e muros pintados foram proibidos. A cidade está mais limpa. E mais quieta. A campanha diminuiu de três meses para 45 dias. Tudo muito bem pensado para que não haja discussão e debate de projetos. Para que os candidatos não precisem convencer os eleitores de que são honestos, dignos de confiança e que realmente possuem propostas exequíveis para os problemas da cidade.

A arena democrática migrou das ruas para as redes sociais. E o que temos? Trocas de sopapos nos grupos de Facebook e o esgoto das Fake News jorrando sem parar no What app. Ainda que os meios de comunicação tradicionais se esforcem para apresentar os pretendentes e divulgar suas ideias, parece que poucos estão realmente interessados em ler e ouvir.
Porém, não há como negar que muitos políticos fizeram por merecer se hoje chafurdam na vala comum da falta de credibilidade.
A eleição perdeu a graça. Não há paixão! sobrou apenas o desvario daqueles que defendem suas boquinhas ou pretendem se servir depois da vitória. Nem voto de protesto existe mais. No passado, já tivemos rinocerontes e até macacos candidatos – com excelente votação, diga-se de passagem. Ainda que fossem brincadeiras, pelo menos serviam para mostrar o engajamento do eleitor e a revolta com a sua própria realidade. Nada disso sobrou. Votamos por obrigação e parece que qualquer um serve.

Ainda restam duas semanas para a gente observar os candidatos e procurar conhecer seus programas de governo, mas não é preciso ser profeta para antever o grande número de abstenções que se avizinha. A legislação talvez tenha atingido seu objetivo ao tornar as disputas mais baratas, mas se levarmos em conta a relação custo-benefício, provavelmente teremos um grande prejuízo à Democracia. O eleitor dorme em berço esplêndido, como diz o nosso hino, mas eu, infelizmente, perdi ainda mais o sono.

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