Quando eu era criança, passava horas e horas em frente à televisão vendo filmes. Aos sábados à tarde, a Globo exibia a Sessão Western, com produções sobre a conquista do oeste americano, a perseguição aos índios, os duelos entre mocinhos e bandidos e as guerras por terras devido ao traçado das linhas de trem. Não perdia um. Aquela gente cascuda, com revólveres na cintura e rifles na mão, com saque rápido e pontaria certeira, me enfeitiçava em frente à tela. Se pudesse, entraria na TV para lutar ao lado de John Wayne.
Toda aquela exposição a tiroteios, sangue e morte não era bem-vista lá em casa. Preferiam que a gente se dedicasse a atividades mais sadias. Talvez por isso, nunca tenha ganho uma arma de brinquedo como presente. A falta de um Colt cano longo eu compensava com a imaginação. Com um velho facão, transformava pedaços de madeira em revólveres e espingardas. Com muita criatividade, um pedaço de cano e um “joelho” de plástico viravam uma ”Derringer”, aquela pistola de bolso com cano duplo.
O fato é que sempre gostei de armas, mas, mesmo quando tive os meios e a oportunidade de adquirir uma, relutei. Se lá na infância eu tinha convicção de que acertaria o coração de um malfeitor com um tiro preciso de longa distância, a idade adulta me mostrou que esta certeza é uma armadilha. Por muito tempo, inclusive, fui um dedicado crítico a qualquer iniciativa que visasse facilitar a aquisição de armas pela população. Acreditava que, primeiro, o fator surpresa estaria sempre ao lado do criminoso e que a reação seria uma sentença de morte. Também tinha certeza de que as armas “legais” seriam roubadas e engrossariam o arsenal dos marginais.
Os anos passaram e eu passei a me questionar se, realmente, o cidadão não tem o direito de se defender quando o Estado, a quem cabe essa missão, falha inapelavelmente. Não passei a aceitar a liberação das armas de forma indiscriminada, longe disso. Hoje, porém, entendo que não se pode impedir alguém de zelar pela própria vida e pela de seus familiares se esta pessoa estiver habilitada a ter um revólver ou pistola. E quando falo em habilitada, quero dizer de pleno gozo de suas faculdades mentais – atestado por médico especialista – e sabendo operar a “ferramenta” depois de se submeter a cursos e a treinamentos em empresas idôneas.
Um dado curioso sobre o tema foi divulgado esta semana pela Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul. Em 2020, mais do que dobrou a quantidade de registros de armas novas efetuados pela Polícia Federal (PF) na comparação com o ano anterior. O total saltou de 8.258, em 2019, para 19.043 – aumento de 130,6% em um ano. As medidas de flexibilização das exigências e ampliação dos calibres permitidos, por iniciativas do governo federal, num cenário em que parte da população aguardava por isso, são apontadas como principais fatores para o crescimento.
Por outro lado, em 2020, o RS teve redução na criminalidade. Nos homicídios, o Estado alcançou a menor taxa por 100 mil habitantes dos últimos 11 anos, com 14,8. A diminuição nos assassinatos foi de 1.811, em 2019, para 1.694 no ano passado, segundo dados do próprio governo gaúcho. Ou seja, a maior presença de armas nas ruas não resultou em aumento da criminalidade. Talvez as estatísticas de apenas um ano não sejam suficientes para afirmar o surgimento de uma tendência, mas os números não devem ser desprezados.
Para que não me compreendam mal, nunca tive e nem terei arma de fogo. Não me sinto preparado para usá-la de forma eficiente e sem risco em minha defesa ou de terceiros. Também considero uma temeridade reagir a um assalto. Contudo, passei a compreender melhor o anseio daqueles que se sentem em condições de enfrentar a criminalidade quando, por falta de estrutura, a Polícia não dá conta desse desafio. Obviamente que esta condição não pode ser uma porta aberta para a promoção da Justiça com as próprias mãos. Bangue-bangue, só na TV.