A Síndrome de Lady Kate

Até 2015 na grade da rede Globo, o programa Zorra Total divertia muita gente nas noites de sábado. Entre os seus personagens, havia uma ex-prostituta, que ficou rica depois de se envolver com um senador. Lady Kate, vivida pela atriz Katiuscia Canoro, interpretava uma “madame” que adorava exibir sua nova condição. Quando não se sentia bem atendida em suas extravagâncias, largava um “tô pagaaaaaando”, bordão que muitos brasileiros passaram a repetir. Da ficção para a realidade, tem gente demais achando que “pode” país afora e a expressão da “finada” Lady Kate virou mantra até para aqueles que, por pagar impostos, entendem que tudo é responsabilidade do governo.
Há poucos dias, as redes sociais hospedaram um curioso debate sobre a realização de mutirões para a limpeza de escolas municipais antes do começo das aulas. Enquanto algumas recebiam a visita de pais e até de alunos maiores para capina dos pátios e pequenos reparos nos prédios, outras pessoas – que obviamente não participaram das ações – alegaram que estas tarefas cabem ao poder público. “Afinal, é para isso que serve o dinheiro dos nossos impostos”, digitaram. Num mundo ideal, estariam com toda a razão, mas é só olhar para os lados para constatar que estamos muito longe disso.
Montenegro tem 26 instituições de ensino sob a responsabilidade da Prefeitura. A manutenção de todas estas instalações precisa ser feita em menos de 90 dias, nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro, quando as crianças estão em casa. Neste período, além das festas de fim de ano, também uma boa parte dos funcionários da Prefeitura goza suas férias, reduzindo a quantidade de dias úteis e o tamanho das equipes. Para piorar, o mato e a grama crescem muito rápido no verão. Ou seja, aquilo que é feito em dezembro e janeiro já se perdeu quando as aulas efetivamente recomeçam.
Com certeza, as famílias que colaboram com as escolas não fazem isso apenas porque entendem as dificuldades do poder público. Ajudam porque se importam com o ambiente em que os filhos vão passar o ano todo. E participam em outros momentos também, auxiliando na organização de festinhas e outras promoções para reforçar o caixa dos CPMs. Assim, interagem com os professores e sabem o que está ocorrendo com os alunos, dos quais ficam mais próximos.
Do outro lado, os que simplesmente lavam as mãos e deixam tudo sob a responsabilidade do poder público, não raro, são os mesmos que usam as escolas como “depósito”. Que equivocadamente esperam das instituições de ensino tarefas que são suas, como ensinar as crianças a serem honestas, educadas e respeitadoras. E estes pais, quando são chamados para falar dos “pimpolhos” diante de um comportamento inadequado, preferem culpar a escola ou o professor.
Se pudéssemos identificar os que consideram o pagamento dos impostos uma salvaguarda para a omissão, possivelmente encontraríamos entre eles muitos sonegadores. E também pessoas que são incapazes de varrer a calçada da casa ou capinar o pátio. Nesse time, jogam, como titulares, os irresponsáveis de todo tipo e, na reserva, os que criticam o paternalismo estatal, mas não abrem mão dos benefícios que ele pode alcançar.
Todos nós conhecemos pessoas assim. Não pagam IPTU, mas querem ruas sem buracos. Não separam o lixo que produzem, mas defendem e cobram coleta seletiva. Não ensinam aos filhos o que é certo ou errado, mas desejam crianças comportadas e vacinadas contra a birra. São as “Lady Kate” da vida, nas quais esbarramos diariamente e que justificam sua omissão ou apatia com um sonoro e estridente “tô pagaaaaando”. Deve ser uma doença.

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