A “cabeça” das famílias

Antes de iniciar este texto, quero deixar claro que não tenho nada contra qualquer religião. Nem mesmo contra os ateus. Todos são livres para acreditar naquilo que os conforta e responde as suas dúvidas existenciais. Porém, vez ou outra, o discurso de alguns pastores requer análise mais detida, por representar uma ameaça à evolução.
Ao longo desta semana, circulou na internet o vídeo de um culto presidido pelo bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus. Ele faz uma pregação machista e misógina, ao defender que as mulheres parem de estudar quando concluírem o Ensino Médio. Assim, na visão do religioso, elas terão menos conhecimento do que os maridos e não há risco de se tornarem a “cabeça” do casal. “Não existe família, não existe felicidade se a mulher for a cabeça e o homem o corpo. É fracasso!”, pregou o dono da Rede Record.
É fácil cair na tentação de achar que as considerações do bispo possuem raízes nas sagradas escrituras. A Bíblia está cheia de críticas à mulher. Fala de Eva, a traidora que induziu Adão a comer o fruto proibido e provocou a expulsão do homem do paraíso, condenando a humanidade a viver num “vale de lágrimas e sofrimento”. Traz a história de Dalila, que cortou o cabelo do juiz Sansão, roubando sua força e conduzindo-o à desgraça. Cita a curiosa esposa de Ló, transformada em estátua de sal porque desobedeceu a Deus e olhou para trás enquanto a cidade de Sodoma era destruída. Do Gênesis ao Apocalipse, não faltam ataques à figura feminina.
Por outro lado, o mesmo livro, que constitui o alicerce do Cristianismo, apresenta Ester, a judia que o rei Assuero, da Pérsia, tomou como esposa. Inteligente, ela usou sua influência para debelar uma conspiração que pretendia aniquilar os israelitas. Também conta a trajetória de Rute, uma moabita que deixou tudo para trás por amor a Deus; e de Miriã, irmã de Moisés, considerada a primeira profetisa dos hebreus. E ainda tem Maria, a virgem que se entregou ao espírito santo para dar à luz Jesus, filho do próprio Deus.
Não, a pregação de Edir Macedo não tem a Bíblia como base. É provável que o discurso simplista e preconceituoso de submissão da mulher ao homem vise apenas mantê-las longe da universidade. Sim, porque, nestes ambientes, pessoas de todos os sexos convivem com diversas visões de mundo, são banhadas pelo conhecimento, aprendem a questionar e até se dão conta de que o caminho da redenção não passa necessariamente pelo pagamento do dízimo.
Aliás, a maior parte das igrejas evangélicas é fruto de uma reforma que ocorreu em 1517, há mais de 500 anos, baseada na ideia de que salvação não pode ser comprada. A própria Igreja Católica, que por centenas de anos vendeu terrenos no paraíso, demonizou o conhecimento e condenou inúmeras mulheres inteligentes e sensíveis à fogueira sob a acusação de bruxaria, já pediu desculpas por estes crimes. No século XXI, não podemos engatar a ré.
Ao invés de propor que as mulheres desempenhem um papel secundário nas relações, Edir Macedo e sua igreja – e qualquer outro religioso que pensa e age desta forma – deveria se preocupar em ajudar aquelas que assumiram o papel de “cabeças” do núcleo familiar por falta de opção. São 29 milhões de pessoas, a maioria de baixa renda e com filhos para criar, cujos maridos estão desempregados, bebem, jogam, usam drogas ou simplesmente deixaram a casa. A todas elas, que têm todo o direito ao protagonismo, a Bíblia, por sinal, também tem um conselho. Está em Romanos 12-2: “E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento”.

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