Desproporcionalidade, intensidade e descontrole. Que rumo estamos tomando?
A Mitologia Grega narra um evento denominado Titanomaquia. Trata-se da guerra travada entre deuses e titãs, na qual, ao final, os titãs são aprisionados no Tártaro. Titãs são seres colossais e de uma natureza muito mais focada na direção do que dotada de sentido. São a própria imagem da força do instinto, do descomedido, do brutal.Junito de Souza Brandão traz uma definição muito interessante sobre estes seres: “Titãs são seres caracterizados por gigantismo material e indigência espiritual”.
Basta uma rápida olhada ao nosso redor para traçarmos um paralelo. Na política, vemos desvios de cifras astronômicas que, de forma ultrajante, ultrapassam a casa dos milhões. Na natureza, o planeta vem sendo devastado de forma quase irreversível. Pelo mundo, centenas de vidas são dizimadas em nome do ódio, da ganância e do preconceito. A nível psíquico, sentimentos arrasadores, decepções e dores cada vez mais intensas.
Fúria, exagero, extravagância, desproporção.Estes são alguns dos titãs que nos cercam e que reforçam suas duas principais características: “o gigantismo” e “a ausência do sagrado”. Aqui, vale uma observação muito importante: sagrado, não no sentido de uma conexão com Deus/deuses, mas da atitude cuidadosa com o lado sagrado da vida.
Logo, o mito não trata de adoração a deuses, mas de uma metáfora da batalha necessária contra as forças esmagadores que nos corrompem, desequilibram e ameaçam. Trata do combate necessário contra tudo que parece impossível de ser enfrentado no mundo e dentro de nós.
Sentir-se fraco e incapaz, frente a qualquer situação de vida, remete a quatro pontos importantes do mito:
1 — Os titãs representam “o necessário a ser vencido” para nos libertar de forças destruidoras;
2 — Frente aos titãs, sozinhos não temos eficácia. É essencial atribuir sacralidade ao menor dos nossos atos e/ou tarefas, às relações e a nós mesmos.
3 — Se são os deuses que aprisionam e mantém os titãs no Tártaro, sempre que o sagrado é deixado de lado, abre-se o caminho para o retorno dos titãs.
4 — O mito faz um apelo ao heroísmo humano: o golpe derradeiro nos titãs sempre caberá a nós.
Então, des-sacralizar os nossos atos é desumanizar a própria vida. Tornar um ato sagrado é dar a ele sentido, dedicação e alma. Afinal, com diz o poeta Rainer Maria Rilke: “Talvez tudo aquilo que nos assusta/ é na sua essência mais profunda/ algo desamparado/ querendo nosso amor.”
Crescer e desenvolver-se psiquicamente não está associado ao número de vitórias que temos contra os titãs que nos cercam. É o ato de enfrentá-los! Somente esta atitude pode nos levar a reencontrar a essência do sagrado que habita dentro de cada um de nós!
Paz e bem.