Quando ingressei na universidade, um mundo novo se abriu. Absolutamente, tudo proporcionava uma nova experiência. Uma das mais importantes aconteceu no transporte até lá.
Eu era um dos últimos a embarcar no ônibus e, sem opção de escolha, acabava sentando no fundo do corredor. Fui notando que meus “vizinhos” eram quase sempre os mesmos.
Tinha o dia da algazarra, do sono, o da leitura de última hora. Os dias que mais me chamavam a atenção eram aqueles nos quais as conversas acabavam tratando sobre os fatos corriqueiros da vida. A média de idade do grupo ficada em torno de vinte anos de idade. Ou seja, ninguém com muita experiência sobre “as coisas da vida”.
Como de costume, outro final de tarde, sentei no mesmo lugar e percebi que a conversa tratava sobre a dor. Lá pelas tantas, um passageiro (que devia ter seus quarenta e poucos anos) sentado mais à frente, se virou e disse: “Não se preocupem, a dor ensina a gemer”.
Ainda lembro o quanto, naquele momento, meu interesse por entender o psiquismo humano pulsou mais forte. Não consegui “engolir” aquela afirmativa. Ele tinha mais que o dobro da idade de todos ali, devia saber muito bem do que estava falando. Mas resisti. Duvidei.
Por muito tempo, me debati com aquela frase. Os anos se passaram, abandonei o curso de engenharia e aquela universidade. Muito tempo depois, já formado e atuando como psicólogo, fui me deparando com a impossibilidade de passar um dia sequer sem estar frente à frente com a dor e com os “gemidos” que ela produz.
Trabalhar com a alma humana não dá como opção excluir a dor. A alma carrega e se carrega de sentimentos. Toma forma a partir das experiências e se deforma pelo mesmo motivo. Invariavelmente, a dor está presente. A criança, o adolescente, o adulto ou o idoso, sem exceção, cada qual, em seu momento, carrega a sua dor e uma forma de lidar com ela.
No entanto, hoje entendo que a dor pede mais do que “aprender a gemer”. Os gemidos são as vozes das almas presas nas masmorras da vida. A dor, são grandes e pesadas portas com dobradiças enferrujadas.
A mitologia grega apresenta Quíron, um grande centauro. Ferido por uma flecha envenenada, que lhe produz um grande e incurável ferimento, é acometido por terríveis e incessantes dores. A dor de Quíron não o ensina a gemer, mas a lamber a própria ferida. Nada mais humanizador.
Nenhuma ferida se repete. Nenhuma dor é igual. O que a voz sufocada no gemido da sua dor tem a dizer?
Mais importante do que curar é cuidar da ferida.
Paz e bem!