Pai

O relógio marcava exatamente 18h quando ele entrou no consultório. Cabisbaixo, procurou um lugar para se acomodar. Não olhou uma única vez em meus olhos. Olhar perdido em algum ponto do ar. Por duas ou três vezes, carregou os pulmões em uma respiração profunda. Nenhuma palavra!
Sessenta minutos se passaram. Nenhuma palavra. Observou o relógio. Ligeiramente constrangido, dirigiu-se à porta e, com olhos marejados e com voz baixa, me perguntou:
– Ainda tenho tempo?
Nesta semana que antecede o dia dos pais, eu poderia deixar uma “mensagem bonitinha”, alguma “reflexão amena”. Porém, escolhi a situação acima, que trata deste “lugar” ocupado pela função paterna no imaginário social. Muitos, jamais se questionaram sobre sua paternidade. Tiveram uma vida maravilhosa com seus filhos. Foram igualmente amados.
Mas quando as histórias não são exatamente felizes? Ou, quando se parecem perfeitas, mas cercadas de dúvidas e sofrimento?E quando um teste de DNA não é o suficiente para transformar uma confirmação em uma relação?
Nestas e tantas outras situações, as angústias produzidas pelo imaginário cobram um alto preço. Todo mito paterno carrega em si uma precariedade. Há que se lidar com a fantasia de ser “menos” em relação à mãe. Afinal, é ela que forma, carrega e sustenta o filho no seu próprio corpo.
Psiquicamente, o “ser pai” não cabe em um conceito biológico ou jurídico. Tampouco religioso ou social. A única possibilidade da paternidade se dá pelas relações que a alma produz.
Muito me agrada uma definição trabalhada pela psicanálise Junguiana: “pai é aquele que trai”. Por também ter sido traído, assim seguirá. Uma relação já (pré) destinada à traição, desde o mito do Jardim do Éden. Do Pai que cala diante do Filho na cruz. Do pai que nega pensão, que nega carinho, tempo, reconhecimento. Absolutamente tudo é posto à prova.
A relação paterna exige que toda verdade deva ser traída. Somente uma traição poderá dar lugar a uma confiança genuinamente gratuita, desapegada de normas e conceitos. Quando não há nada para se esperar em troca, é aí que nasce o amor verdadeiro. Tal qual naquela velha “brincadeira”, quando se diz que “pai é quem registra”. Virou piada, mas toda boa piada sempre carrega uma boa dose de verdade. Por quê? Por que toda paternidade se fundamenta em uma escolha. Não é de sangue; é de alma.
Antes que ele saísse, rebati sua pergunta:
– Você quer ter tempo?
Aos que tiverem a coragem de entregar alma ao tempo da relação: um Feliz dia dos Pais! Paz e Bem.

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