Que a mitologia está intimamente ligada à história dos seres humanos, não é novidade. Cada povo antigo apresentava uma forma de contar suas origens, a do universo, das coisas, dos animais e dos homens. Assim, cada cultura, ao mitologizar a vida e suas formas de viver passa a reproduzir seu próprio inconsciente e participar do inconsciente coletivo humano.
Porém, a mitologia circula cada vez mais distante da sua origem. Fantasiar sobre seres mitológicos, deuses, monstros e heróis, vai deixando de fazer parte daquilo que define um povo ou uma cultura. A cada mito que é esquecido vai se apagando cultural e psiquicamente a capacidade do ser humano se reconhecer e de, novamente, se recontar.
Como diz Campbell (2008), “A mitologia não precisa fazer sentido, não precisa ser racional, não precisa ser verdadeira: precisa ser confortável como a bolsa do marsupial. Suas emoções crescem lá dentro até você se sentir seguro para sair […] a mitologia tem uma função […] ela cuida desta criatura humana nascida tão cedo […]quando se rejeitam os rituais pelos quais o mito se concretizou, a civilização se dissolve”.
Uma vez que estes modelos foram sustento e norte para incontáveis gerações ficam inscritos em seu inconsciente, tornam-se parte inegável do Ser. Quando esquecidos, rejeitados ou ignorados, portam-se tal a Síndrome do Membro Fantasma, que mantém uma imagem cerebral do membro anatômico amputado:“memórias-fantasma” que habitam seu lugar.
Um mito é algo em si e para além de si. Revela a sabedoria e a consciência de um tempo. Ensina, transmite, acolhe e dá sentido. O Humano, sem suas mitologias, está só. Mas partindo desta condição, pode novamente a ele recorrer.No mito e através dele, pode dar conta da condição e da criação da sua própria história, como aponta Brandão (1988): “Mito é, pois, a narrativa de uma criação. […] abre-se como uma janela a todos os ventos e presta-se a todas as interpretações. Decifrar o mito é, pois, decifrar-se”.
Humano e mito se confundem no tempo. Decifrar a um é decifrar o outro. É possível percorrer uma vida sem a consciência do mito, mas a alma do tempo presente não o exclui. Pelo contrário, o mantém vivono inconsciente, à espera que seja resgatado.
Logo voltarei a tratar deste assunto, afinal… “Conhecer o mito é aprender o segredo da origem das coisas. […] Voltar às origens é readquirir as forças que jorram nestas mesmas origens: é recuperar o tempo forte, o tempo primordial”(MACIEL, 2000).
Paz e Bem !