Conta uma interessante história sobre o rei Arthur que, ao chegar à floresta para uma caçada, ele logo avista um grande cervo.
“Caçarei este cervo!” – brada o rei. Tamanha a fúria com a qual golpeia seu cavalo que quase alcança sua caça no primeiro movimento. Mas a perseguição avança. O rei segue a exigir tudo do seu cavalo, até que este, morto por esgotamento, cai aos seus pés.
Arthur não se dá por vencido. Seu criado prepara uma nova montaria e a perseguição continua. Ainda, com a mesma atitude insana do rei.
Num instante seguinte, Arthur para diante de uma fonte para beber água. Neste momento, tem uma visão de um grande e estranho animal a se aproximar. O animal, de aspecto assustador, silenciosamente, bebe água na mesma fonte. Em seguida, solta um grande urro e desaparece.
A atitude de Arthur representa a cegueira da qual, todos nós, em dado momento da vida, estamos envoltos. Uma busca sem sentido se torna destruidora.
Mas é a visão que Arthur tem, após a caçada, que dará início à busca pelo Santo Graal.
Esta é uma história carregada de simbolismos. Tal qual no mito de Narciso, ver-se refletido na água coloca observador e observado em um mesmo plano: um espelho. Eles são um só.
A água, normalmente associada às emoções e ao universo inconsciente, sugere uma descida em si. É preciso aprofundar-se. Descer às profundezas do ser. É lá que existe a possibilidade de “reconhecer-se”. Aos que falham nesta missão, encontram o mesmo destino de Narciso. Ele morre afogado em um lago, encantado pela própria imagem.
A experiência de Arthur, diante da fonte, mostra que todo ser tem uma grande oportunidade de transformação. As coisas fúteis da vida jamais podem ter o mesmo valor de uma grande batalha. No entanto, é preciso reconhecer que o “monstro” não está “fora”. Ele faz parte de nós. Se não é possível reconhecer o lado perverso daquilo pelo que se luta ou defende, há uma boa possibilidade de se estar ficando “cego” também.
Sabiamente afirmava o filosofo Friedrich Nietzsche: “Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Pois quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo também olha para você.”
A única coisa que pode tirar o ser humano da sua “loucura de si” é reconhecer-se no “outro”. Neste “encontro”, há um sentido transcendente, que distancia desta polarização de imagens. Não há fora. E fora da unicidade, nada há.
A vida é um grande espelho. E ficar polindo-o em nada vai modificar a imagem nele refletida.
Paz e bem.