Um dos sentimentos mais difíceis de ser compreendido e trabalhado é o ciúme. Parece surgir das entranhas do corpo, brotando feito trepadeira, das profundezas da alma.
A mitologia grega conta uma interessante história. Fala sobre Hera, a deusa dos casamentos e da maternidade. Esposa do grande Zeus. Sua versão menos romântica a descreve com uma personalidade muito vaidosa, extremamente ciumenta e agressiva. Diversos passagens relatam suas crises de ciúme e as tentativas de aniquilar os filhos e as amantes de Zeus.
Tomada pelo sentimento de vingança, gera em seu ventre um filho sem pai: Hefesto. Pelo fato de ter nascido manco, ele é jogado do Olimpo.
Não há de causar nenhuma surpresa, Hera também é a representante da fidelidade conjugal.
Curiosamente, dá-se o nome de Hera à planta trepadeira. Esta, dispensa muitas explicações. Cresce e se desenvolve agarrando-se sobre outras superfícies. É um símbolo da deusa e das personalidades que necessitam de um “suporte” para se “espalhar”. Outro símbolo de Hera é a pena de pavão. Esta, tomada de “olhos”, representa o olhar onipresente.
Seguidamente, acompanho a dor daqueles que são acometidos pelo ciúme. Sejam seus portadores, ou pessoas próximas a eles. Um sentimento que, não raro, faz-se “sufocante” e“enlouquecedor”.
Trabalho com a perspectiva de que todo sentimento carregue uma verdade psíquica. Assim sendo, qual seria a verdade denunciada pelo ciúme? Penso que Hera e seus símbolos nos ajudem a refletir.
A vaidade de Hera está sempre flertando com o egoísmo. Um controle que cresce, feito trepadeira, tomando todo espaço à sua volta, sufocando e impedindo que algo nasça ao seu redor.
A verdade carregada pelo ciúme vai muito além da traição. Invariavelmente, é a literalização sintomática de algo muito mais profundo: a desconexão. Hera, a plantinha, morre sem ter onde se agarrar. Hera, a deusa, encarna todos os sintomas para não reconhecer este fato.
O único laço físico que trazemos ao chegar neste mundo é cortado no nascimento. Ou compreendemos esta verdade manifesta no ciúme, ou morremos enlaçados à dor produzida por ela.
Logo, o ciúme de Hera não fala de amor, mas de posse. Hefesto é o “remédio” não reconhecido por Hera. Abraçar as limitações da vida é quase que uma arte. Habilidade desenvolvida por Hefesto junto às forjas.
Afinal, qual a necessidade de “enlaçar” o outro? Que autoafirmação é esta que busca, feito as heras, os lugares mais altos? O que há lá, senão uma fonte na qual se bebe das próprias vaidades?
Paz e bem!