Na versão de Andersen, o conto “A Roupa Nova do Rei”recebe uma variante, voltada para uma espécie de “alerta” contra a vaidade e a soberba intelectual.
Para quem não lembra, o conto traz como personagens centrais um reie um ladrão. Este, um exímio charlatão, que ao chegar no reino, percebe imediatamente que pode levar vantagem do rei. Apresenta-se como um renomado alfaiate. Convence o rei de que sua obra prima é uma costura feita de tecido especial, visível apenas por pessoas de notória inteligência. Nosso segundo personagem, um vaidoso rei que, prontamente, oferece ao trambiqueiro uma grande quantia em ouro, para dar início à sua alta costura.
Em seu novo atelier, o “picareta” se diverte. Simula fiar seu tear, cortar o novo tecido e dar pontos pelo ar com a agulha. O povo, curioso, espia todo por uma janela. No entanto, ninguém admite não estar vendo absolutamente nada.
Muitas vezes tenho a impressão de estarmos mergulhados nesta fábula, escrita por volta de 1830. O momento político pelo qual estamos passando é um bom exemplo. Ele verte e afoga-se na fonte do conto: enquanto uns vendem “fantasia”, outros tantos pagam caríssimo por elas. E, um tanto pior: todos embriagam-se na mesma cacimba. Rei, alfaiate e povo, coexistem. Sustentam-se.
Não apenas no universo político, mas neste, em especial, a mentira, o despudor, a calúnia e a liberdade são comercializadas a preço de ouro por estes vendedores de ilusão, enquanto milhares de tolos se contentam em admirar e sustentar as peripécias de seus vaidosos-reis-nus. Uma nação cega que,dia após dia, põe fé em um novo alfaiate. Mas já estamos tão acostumados a disfarçar…Tornou-se um padrão,do qual os contos alertam há séculos.
De volta ao conto. O rei marca uma grande parada, para mostrar a todos sua roupa nova. É enaltecido por todos. Até que uma criança inocente, mas sincera, dá um grito em meio ao povo: “– O rei está nu!”. O burburinho é inevitável.Todos começam a admitir que não conseguem ver a roupa. O reis ente vergonha, mas segue sua marcha “cega”.
Voltando à realidade… Às custas da soberba e da vaidade, perdemos “o ponto”. A noção entre o real e o ridículo. O fato é que a soberba intelectual cumpre apenas um propósito. Mostrar o que verdadeiramente se esconde sob seu manto invisível: a vaidade. Enquanto acreditarmos, esperarmos e apoiarmos as falácias vendidas por estes “homens-mitos”, seguiremos vivendo aprisionados na mesma fábula. Seremos, apenas, a mesma massa patética que aplaude e observa o cortejo do rei passar.
Paz e bem