Recusas praianas

Quando Juvenal sentou na cadeira de praia, enterrou os pés na areia e sentiu a maresia salgada no rosto, relaxou. Enquanto o pensamento divagava ao som das ondas, duas buzinadas ao pé do ouvido esquerdo o trouxeram ao mundo real.
-Vai um picolé aí, senhor? Tem de fruta, doce de leite, brigadeiro, chocolate, chocolate belga, chocolate belga com cobertura de brigadeiro…
Recusou. Mal o primeiro se afastara, no lado direito alguém gritou:
– Olha a paleta mexicana! Juvenal, por um instante, achou que até o açougueiro viera para a beira do mar. Quando se virou, deu de cara com outro carrinho de picolés, empurrado por alguém usando sombreiro.
-O que é essa tal de paleta mexicana?
-É igual ao picolé, mas diferente, entendeu? Quer experimentar?
Recusou novamente. Orçamento apertado, sabe? Inclinou a cabeça para trás a fim de sentir o sol no rosto; até uma sombra aparecer. Ao abrir os olhos, notou um carrinho enorme, cheio de roupas e outros penduricalhos entre ele e o astro rei.
-Aí tio, interessado num boné?
Também disse não; assim como para o senegalês ou haitiano que chegou segurando um pedaço de isopor cravejado de óculos.
-Quer óculos? Bom. Barato. Protege. Sol. Respirou fundo para voltar a curtir a maresia, mas ela não entrou sozinha nas narinas. Tinha fumaça junto.
-Ô meu querido, que tal um queijo coalho?
Negou. Fez o mesmo com o vendedor de castanhas e a tia da rapadura. Na real, nem tinha levado dinheiro junto. Contenção de gastos. Resolveu conferir o celular, o que atraiu mais uma sombra.
-Meu patrão, quer comprar um pau de selfie e tirar aquela foto curtindo a praia e mandar pros amigos?
-Não, já tô sem bateria.
-Vendo carregador de celular também. São três metros de cabo.
Despachou mais esse com alguma outra desculpa; e usou a mesma com o ambulante das pipas e o tatuador de henna. Até aparecer outro artista.
-Meu amigo, que tal uma caricatura sua?
-Cara, olha pra minha cara. Quando Deus me projetou, fez só um rascunho. Já sou torto, e se tu me desenhar ainda mais distorcido, vai parecer uma obra do Salvador Dali.
-Então será minha obra-prima!
Desvencilhou-se desse também; além do baiano das redes e da guria com artesanatos de conchas. Jurou que não prestaria mais atenção em nada além dos elementos naturais da praia; como a areia, a maresia, o som das ondas, o calor do sol, essas coisas. Entrou no mar para fugir do capitalismo. Já estava distraído, quando o zunido de um megafone sendo ligado o trouxe à realidade. Por uma fração de segundo, Juvenal pensou se tratar de um recado importante dos salva-vidas. Aguçou a audição, só para ouvir o portador do megafone anunciar na areia:
-Olha o piiicoooooléééééé!

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