Parece que o ser humano tem certa curiosidade sobre as memórias e opiniões de objetos inanimados. Provavelmente você, no mínimo, já ouviu sobre o filme “Se meu fusca falasse”. Sempre me pareceu um título exagerado – até lançarem “Eu sei o que vocês fizeram no verão passado” – mas pelo menos tinha um gancho com a história, que mostrava as aventuras de um fusca com vontade própria. Ainda nessa linha de interrogar objetos, me lembro do comentário do Faustão, anos atrás, quando ganhou uma das famosas unhas do Zé do Caixão. – Ô loco bicho; se essa unha falasse. Imagina por onde ela já passou. Tirando a falta de comentários produtivos diante de um presente tão inusitado quanto inútil, vale lembrar que, novamente, prevaleceu a curiosidade sobre o que um determinado objeto diria, caso pudesse.
Fiquei pensando sobre os chinelos. O que eles conversariam entre si?
– Se escondendo debaixo da cama de novo? Quer fazer corpo mole?
– Fui chutado pra lá, contra minha vontade.
– Sei…
– E você? O cachorro não te levou pro canteiro das flores hoje?
– Da última vez, dei uma surra nele antes de voltar pra cá.
– Bem coisa tua. Ficar usando de violência contra quem é diferente.
– Pronto! Começou o Paz e Amor. É pra salvar a floresta Amazônica que tu está usando essa tampinha de borracha? Coisa mais ridícula passar fazendo barulho onde pisa; parece uma ventosa. Confessa que isso é só pra chamar a atenção.
– Olha quem fala. Sai por aí arranhando o piso com esse prego 12 x 12. Ajudando a manter as multinacionais? Virou garoto propaganda da Gerdau?
– Cala a boca seu comunista hippie da esquerda!
– Cala você; fascista neoliberal da direita!
Talvez se eles conversassem, não estariam necessariamente falando mal um do outro. Do nosso ponto de vista, chinelos são apenas chinelos, indiferente se são da esquerda ou direita. São feitos do mesmo material, apenas de forma oposta. Seu desgaste será uniforme, pois se revezam para carregar o mesmo fardo. Se cada chinelo aceitasse sua semelhança com o próximo, poderiam debater assuntos que afetam a ambos, tipo, aqueles que eles carregam.
– Bem que essa criatura poderia perder peso. Tô desgastado.
– Nem me fala; assim não vamos durar. É muita pressão.
Mesmo que seja de pouca ajuda tentar saber o que diria um fusca, unha ou chinelo; vale o exercício mental de se colocar no lugar deles. Se eu fosse o X, o que eu diria. Sendo que X pode ser qualquer coisa, até aquela pessoa com quem você não vai muito com a cara. Ver o mundo de outro ângulo pode melhorar nossa visão.