Estagnação burocrática

No livro Sapiens, de Yuval Noah Harari, aprendemos que o texto mais antigo já encontrado, feito em tábuas de argila, tem cerca de 5000 anos, e diz mais ou menos o seguinte: “Um total de 29.086 medidas de cevada foram recebidas no decurso de 37 meses. Assinado, Kushim”. Não se sabe se Kushim era o nome da pessoa, ou o seu cargo público, mas o que importa é a natureza da informação, como escreve o autor: “Infelizmente, os primeiros textos da história não contêm reflexões filosóficas, poesias, lendas, leis ou triunfos reais. São documentos econômicos monótonos, registrando o pagamento de impostos, a acumulação de dívidas e títulos de propriedades.”
Atualmente, os agricultores continuam registrando o que produzem, a fim de darem satisfação ao Estado. O Talão do Produtor serve para emitirmos nota e, com isso, o governo pode cobrar os impostos. Claro que essas notas são a prova de que um agricultor realmente produziu algo – pelo menos aos olhos do governo – e com isso pode encaminhar seu pedido de aposentadoria. Além do mais, tem um pequeno agrado chamado de “bônus”, onde o produtor recebe certa quantia, conforme o volume de dinheiro movimentado de acordo com as notas. Toda ajuda é bem vinda.
Indiretamente, o Talão de Produtor pode servir como argumento na hora de cobrar melhorias do poder municipal. Através das notas emitidas, temos uma ideia da quantidade de riqueza gerada pelo setor primário. Assim, os agricultores não precisam “pedir” para a prefeitura manter as estradas, por exemplo, mas sim exigir dela a contrapartida pelo volume de impostos gerados por seu suor.
O governo, sabendo da necessidade de fechar o cerco contra a sonegação, inventa maneiras de controle cada vez mais tecnológicas. A última foi tentar implantar a nota eletrônica no lugar do velho talão verde. Disse tentar, porque se deram conta que não seria fácil, então empurraram o prazo de adesão para 2019. Nos poucos minutos em que estive na prefeitura para apresentar os talões a fim de receber o bônus, notei que todos na sala tinham alguma questão mal resolvida, ou alguma dúvida, e por isso precisavam da ajuda das responsáveis pelo setor. Então penso: o que seria dos agricultores se não tivessem esse momento de conversa com pessoas de carne e osso na sua frente, para resolverem esses nós que só a burocracia sabe atar? Imaginar um sistema onde o agricultor resolve tudo pela internet ainda está longe. E se tiverem dúvidas? Vão disponibilizar um 0800? Como podem exigir isso se nem internet, nem telefone funcionam corretamente no interior. Seria uma situação tão bizarra quanto andar numa rodovia mal sinalizada e esburacada, mas que tem lombadas eletrônicas modernas, com câmeras e painéis solares. Não, espere, acho que já vi isso por aí…
Depois de 5000 anos, a burocracia evoluiu pouco. Só trocamos a argila por papel.

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