De volta do banheiro, o vivente se esparrama na cadeira. Enquanto a cabeça balança, os olhos semicerrados – vulgo faróis baixos – inspecionam a mesa e arredores. Com a voz pastosa, chama o primeiro garçom que vê.
– Ô meu querido; cadê o pessoal que tava aqui?
– Bom, senhor, acho que…
– Mas só pode que foram embora. Bando de sem vergonhas. Nem se despedem mais. Isso é culpa dessa sociedade individualista; onde cada um só pensa em si. Eu só fui ali tirar água do joelho. Não poderiam ter esperado?
– Mas senhor, está havendo um…
– Cadê a comanda? Olha no chão, meu querido. Não tá aqui. Pelo menos não deixaram a conta pra eu pagar. Deve ter sido uma facada. Culpa desse bar, que só tem cerveja artesanal. A gente vem aqui e gasta metade do salário pra conseguir ficar um pouco mais solto.
– Calma senhor. Como estava tentando dizer…
– Esvaziaram a garrafa, e até os copos. Olha! Tenho certeza que o meu estava pela metade quando fui ao banheiro. Tudo obra desses carrapatos que eu chamo de amigos. Só pensam em tirar vantagem. Podiam ter deixado pelo menos um copo cheio pra saideira.
– Mas senhor, acalme-se. Na verdade seus amigos…
– Comeram tudo! Só sobrou a tábua e os palitos. Nem as azeitonas escaparam! Bando de mortos de fome! Deve ser por causa do tal instinto de sobrevivência, que faz as pessoas comerem o que estiver pela frente, pois vá que falte amanhã. Eu mal consegui provar o coraçãozinho, pois me deu um nó na garganta. Sabe, meu querido, que coraçãozinho era como eu chamava minha mulher. Mas faz um mês que ela saiu de casa. Voltou a morar com a mãe. Saiu dizendo que não tinha volta. Perguntei o motivo daquilo tudo, e ela apenas respondeu que a culpa era toda minha. Minha culpa! Como pode ser se nem sei o que eu fiz de errado? Você sabe? Eu não sei! Fico pensando e tudo que tenho vontade de fazer é chorar. Desculpa aí, mas não consigo segurar… (choro) Me dá aqui tua mão, meu querido, deixa eu te cumprimentar por me escutar. Perdão pela cena, mas sempre fico assim quando penso nisso. Culpa minha?! Mas onde foi que eu errei?
– Acalme-se senhor. Pegue um guardanapo para enxugar os olhos. Não, esse está usado. Pegue um limpo aqui. Isso! Respire devagar. Voltando; eu estava querendo lhe dizer que o senhor sentou na mesa errada. O senhor estava naquela mesa lá, onde seus amigos estão acenando, rindo.
– Só agora tu me diz isso! Depois de todo esse mico! Isso tudo é culpa tua!