É bem mais difícil do que deixamos transparecer.
É viver sob o preconceito de sexo frágil, ainda que chefie 41% das famílias brasileiras. É criar os filhos sozinha, sem nome paterno na certidão, e quando não quer ser mãe, ainda ser criticada por isso. É ouvir de homem que paga uma merreca de pensão pro filho que quer pagar menos ainda, pra ela não gastar consigo mesma; como se o valor pago desse pra muita coisa.
Ser mulher é ser assediada na rua, na faculdade, no trabalho e, quando reclamar, dizerem que é vitimismo, mimimi… É reclamarem das suas roupas o tempo todo: “muito recatada”, “fora de moda”, “vulgar”, “piranha”. Quando sucumbe, chamam de fraca; se se revolta, de histérica; quando ignora, arrogante. É dizerem que você “não merece ser estuprada”, como se fosse uma coisa boa, porque é “feia”.
Ser mulher é ser humilhada por homem quando diz não, perseguida depois do não, ameaçada por dizer não. É ser criticada se quer esperar pra fazer sexo, “puritana”; ou se faz no primeiro encontro, “vagabunda”. É ser vítima de um padrão imposto como ideal para os nossos corpos, nossos cabelos, nosso comportamento; inalcançáveis. Ser mulher é ser ensinada a se odiar. Celulite? Estria? Pelos? Doutrinadas a repudiar o próprio corpo.
Ser mulher é trabalhar tanto quanto os homens, se não mais, e quando tem o mesmo cargo que ele, ganhar menos mesmo assim. É ser menosprezada por “não saber”; “chama um cara, ele vai entender melhor o que eu quero”. Ser mulher é andar na rua sempre com medo de ser estuprada; é torcer para os passos atrás de si serem de outra mulher, de um cachorro, de qualquer coisa que não seja um homem. É ter medo de julgamento por ser mais velha que o namorado, mais nova que ele, por gostar de mulher, por ser trans. É levar a culpa mesmo quando é a vítima.
Ser mulher é ser espancada quatro horas sem parar por um homem com o qual se relaciona há oito meses e ainda ser crucificada na internet porque o conheceu online. Também é ser espancada pelo marido que chega bêbado em casa. É ser torturada psicologicamente pelo companheiro por causa de dinheiro, dos filhos, da casa. É ser ameaçada de morte. É ouvirem os gritos e não chamarem a polícia porque “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”. É ser assassinada porque não aceita mais todos os abusos. Todos os dias, ser mulher é morrer um pouco quando uma de nós sofre feminicídio.
É claro que nem todo homem é capaz de atrocidades como essas. Mas não vem escrito na testa de ninguém o caráter, o coração, ou a violência, psicopatia, maldade. Então, respeitem se ser mulher é não confiar em homem nenhum. Porque ser mulher é uma luta diária, é revolução, resistência. Não é uma escolha senão uma missão, a qual me agarro com orgulho.
Como se não bastasse, ainda querem dizer que o mundo não precisa do feminismo. O mundo precisa; a gente precisa. Pra sobrevivermos, pra alcançarmos a tão sonhada igualdade, pra não mais morrer uma mulher a cada duas horas no Brasil.
Ser mulher é difícil, sim, mas, acima de tudo, é necessário. Nossa luta é tornar o Brasil um lugar melhor pras mulheres que virão; assim, quem sabe, elas poderão viver sem o medo que, em nós, já está marcado na alma. Ser mulher é, apesar de tudo, levantar todos os dias e enfrentar o que e quem quer que seja. Porque somos exatamente o contrário de sexo frágil: somos fortalezas. E não vamos cair.
Ana Clara Stiehl
Cronista