Corações e olhos

“Conheci corações temporários
Com olhos de ‘para sempre’”
M. Mustun

Conheci e amei como se não fossem temporários, mesmo sabendo que tudo na vida é. Primeiro porque o amor não é uma decisão senão um fato. Segundo, mas não menos importante, nunca se sabe quão temporário será um coração na nossa vida. Vai durar até amanhã ou por 50 anos? Vai valer cada segundo ou tornar-se um fardo?

Tudo acaba; olhos se fecham, corações param de bater, o sangue para nas veias, os pelos não arrepiam mais. Sempre chegará a hora do vazio. A gente nunca sabe quando vai chegar e é só por isso que conseguimos viver a vida com o mínimo de sanidade e felicidade. É incrível que, no amor, tudo parece eterno até que já não seja.

Conheci pessoas descaradamente temporárias e, em seus olhos, a eternidade nunca se ensaiou. Talvez seja uma questão de química, física, energia, sei lá o quê. O olhar de “para sempre” não cruza nosso caminho toda hora. E daí que é tudo mentira? Que não é para sempre coisa nenhuma? Para sempre é só depois que não houver mais nada; inatingível para o que está vivo. E, mesmo assim, há olhos que nos prometem o universo e seu infinito.

O amor é engraçado. Nenhum coração é temporário enquanto o estamos amando, e daí o tempo, esse cara que nos leva devagarinho, como quem não quer nada, passa. Quando passou, não levou só a gente, levou o amor junto. Dia após dia, de pedaço em pedaço, sem ninguém perceber. O coração, num piscar de olhos, não era mais eterno, ainda que já fora. Os olhos, tão ricos de imensidão, se fecham, rasos em sua dor.

Tragicamente, o amor não é para sempre. O que ontem era eterno hoje não é mais. O olhar não brilha mais. Isso porque o tempo é assim mesmo, ele faz com que o amor que seguramos se esvaia por entre nossos dedos sem que percebamos, enquanto bebemos dele e matamos nossa sede do que é bom.
Conheci muitos corações. Outros conheceram o meu. Muitos olhos já prometeram, a nós, céus, terras, mares; tudo bem, porque enquanto foram “para sempre”, cumpriram. Um coração temporário anda pela vida entre bilhões de outros corações igualmente perecíveis e passíveis de erros. Vão batendo e procurando um lugar para ser eterno, mesmo que por pouco tempo.

Olhos que para mim significam o universo inteiro e até algo mais, para outros são pequenas galáxias sobre mais um rosto na multidão. Olhos de “para sempre” são relativos; o para sempre de cada um é diferente porque ele não passa de uma linda ilusão na qual nos seguramos firmemente. Para não sucumbirmos.

É justo: a vida não é fácil. Seguir lutando não é fácil, mas a gente segue, por que “né”? Há corações temporários por aí, esbanjando amor, com olhos que hipnotizam o tempo para que cada segundo seja um infinito particular. E estamos aqui para encontrar esses corações, viver o que formos capazes, juntos, para que o que fomos não termos sido em vão.

Quando o meu “para sempre” chegar, não estarei mais aqui. Meu coração se confirmará temporário e seu tempo terá acabado. Meus olhos não abrirão mais. Quantos corações o meu terá sido capaz de amar? Quantos “para sempre” meus olhos terão dito a quem ficou?

Ana Clara Stiehl
Cronista

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