Desde pequenino, eu tenho as pernas inquietas. Mas inquietas mesmo, daquelas que não param um minuto. Meus colegas de escola sempre perceberam e se dividiam nas reações. Os mais relaxados riam e zombavam, ao passo que os que procuravam maior concentração ralhavam, porque minhas pernas tiravam o foco no professor, garantiam. Os anos passaram e nada mudou. Minhas pernas cresceram, mas seguem serelepes, como se tivessem vontade própria. Elas ficam de um lado para outro, em ritmo alucinante. Eu deveria correr feito o Bolt, mas elas só servem para a galhofa dos outros.
Quem também parece ter vontade própria são meus dedos, uma vez que, de todos os hábitos dos quais quis um dia me livrar e consegui, a exceção é roer unhas. Igualmente, desde a infância que eu não sei o que é ter unhas compridas, bonitas, brilhosas. Consegui tocar instrumentos de corda, mas evidente que elas fizeram uma baita falta. Já passei spray de pimenta, esmalte incolor, outras técnicas mais rústicas e nada, sigo roendo compulsivamente as unhas dos 10 dedos das mãos. Quem faz isso sabe, roer unhas torna-se um ato inconsciente, independe de vontade.
Minhas unhas e pernas são sintomas de uma ansiedade aguda, que quando controlável não chega a ser exatamente um problema grave, aliás que acomete boa parte das pessoas, em especial nos atribulados dias de hoje. O problema é quando passa do ponto e ela bloqueia pensamentos e ações. Acelera o coração. Manda o sono para longe. O ansioso começa a pensar mais devagar e a comer depressa. Parece engraçado, só que não é tanto assim.
Costumamos dar pouca ou nenhuma atenção para a saúde mental. Quando temos problemas cardíacos, nos rins, fígado, ou dores em qualquer parte do corpo, procuramos um médico. Entretanto, ainda pensamos que ir a um psicólogo é “frescura” e psiquiatra é “para louco”. E nessa toada, as pernas seguem balançando, as unhas corroídas e as coisas tendem a ficar cada vez piores. Não escrevo por mim. Me exponho dessa forma apenas para que possamos olhar com atenção possíveis sofrimentos e transtornos de quem amamos e, tão perto de nós, parecem invisíveis. Amar é cuidar, do corpo e da mente.