Sobre a mentira, Abraham Lincoln disse que “é possível enganar uma pessoa muito tempo e muitas pessoas por pouco tempo. Mas não, muitas pessoas por muito tempo”. Parece lógico, entretanto o notável presidente americano não contava com quatro jovens de Liverpool que vieram ao mundo para sacanear geral. Os Beatles provaram que Lincoln podia ser lá um abolicionista respeitável, um conciliador nato, todavia, de música e fraude, era um pouco bobo. Ele e uma legião de otários, como eu.
Estima-se que os Beatles venderam mais de 1 bilhão de discos, ou seja, se dividíssemos os discos entre a população mundial, um a cada sete seres humanos poderiam ter o seu CD, disco, fita K7 ou algo que o valha. Isso ainda dos tempos de formatos físicos. Em 2010, os Beatles, 40 anos após o término da banda, chegaram ao iTunes e, em duas horas, foram mais de 2 milhões de músicas vendidas. Mais que um grupo, o “Fab 4” foi o maior fenômeno da música pop, influenciando moda, comportamento e marcando a cultura da segunda metade do século XX.
Tudo até a última semana. Foi ai que o castelo de cartas ruiu e a verdade, ah, ela sempre vem à tona. Olavo de Carvalho, o guru da direita conservadora brasileira, o autor da bíblia da família Bolsonaro, revelou a fraude escondida por tantas décadas. As letras das canções, na verdade, não foram escritas por John e Paul e, sim, pelo filósofo alemão Theodor Adorno. Estranho, porque Adorno, que era de fato compositor, rejeitava a música popular, o jazz americano e reverenciava a música erudita genuinamente europeia. Mais curioso ainda que, como lembrou muito bem o David Coimbra, o filósofo alemão morreu em 1969 e os Beatles, em carreira solo, continuaram a compor (ou não foram eles?) canções tão espetaculares quanto antes.
O guru, que contesta os “supostos malefícios do cigarro”, jura que o aquecimento global é coisa de comunista e que o “gaysismo” é coisa da esquerda para desagregar as famílias, ainda afirmou que “as letras são todas celebrações das drogas e vocês viram como terminou o John Lennon”. Até onde sei, John foi assassinado em frente ao prédio onde morava por um fã maluco, sem nenhuma relação com uso de psicotrópicos. Arrematou com uma sentença sobre a obra do quarteto: “Quem leva isso a sério por mais de 10 minutos é um idiota”. Pelo menos os números me confortam. Sou apenas mais um entre 1 bilhão na multidão. Cantando por um mundo mais leve, feliz e amoroso.