Por onde recomeçar

Nestes últimos 20 dias fomos direta ou indiretamente impactados pela força da natureza com as cheias do rios Jacui, Taquari, Caí e lago Guaíba. Quem não teve a casa invadida pelas águas, conhece alguém que teve. Agora, quando as águas baixaram na nossa cidade, pudemos ver os estragos deixados para atrás pela força da enchente. Os mais antigos dizem que o rio volta para buscar aquilo que deixou pra atrás.

Em oito meses foram três enchentes. E aí, no sábado, andando pela cidade e ajudando nas distribuições dos donativos à comunidade, fiquei pensando em como recomeçar. Por onde fazer este recomeço? Onde vamos encontrar forças pra levantar? Perguntas ainda sem respostas. Dos 497 municípios gaúchos, 463 foram atingidos. Entre eles a nossa querida Montenegro. De norte a sul, tu não encontra um montenegrino que não te diga que foi impactado por tudo o que aconteceu. Perdemos lembranças. Fotos que contam a história de cada família. Janelas que nos mostravam o pôr do sol, já não existem mais. A casa da avó, que guardava lembranças da infância, a rua onde as crianças brincava até mais tarde, tudo isso se foi. Levados pela água do rio Caí. Muito se fala sobre a construção de casas, de bairros no entorno do rio.

Historicamente as cidades, como Montenegro, que tem ou tiveram portos, cresceram e se desenvolveram nas barrancas dos rios. E, até aqui, vivemos. Convivemos. Mas a gente sabe que parte destes locais era curso do rio. E agora precisamos entender o rio pra voltarmos a conviver e respeitar o manancial. Contudo, este momento que estamos vivendo também mostrou um povo resiliente. Um povo que perdeu tudo, mas não a humanidade, a boa vontade e a força para recomeçar. O que se viu foi uma comunidade severamente impactada, mas que se mostrou forte para levantar, para se reconstruir. Vamos precisar de ajuda psicológica. Sim, vamos! Se tu olhares para nossas crianças elas ficaram em isolamento pela pandemia e, agora, que estavam retornando a vida normal, veio a enchente. Não só elas precisam do nosso afeto, mas os idosos também. Pra eles a enchente levou uma vida inteira. Lembranças, arrancadas a força, que não voltam mais. Algumas ainda foram resgatadas da lama. Ouvi a história sobre uma joia que foi dada pelo marido, já falecido, a uma senhora, hoje com 78 anos. O lamento era de que não tinha conseguido guardar a única lembrança do amor da vida dela. O colar foi resgatado em meio a lama pela filha, que foi gigante enfrentando o barro para dar um alento à mãe. Um pedacinho da história deste casal, foi preservada. Mas quantos outros não conseguiram? Então, eles também vão precisar de nós.

O que acalenta meu coração é saber que somos um povo que não se dobra. Assim como a palmeira, que o vento vem ela enverga mas não quebra, somos nós, gaúchos. Este evento climático já está sendo considerado por historiadores semelhante à guerra dos farrapos. E se lá atrás nossos antepassados levantaram, também o faremos agora. Porém precisamos repensar ações ambientais, reconstruir espaços desmatados e, principalmente, voltar a respeitar nosso amado rio Caí pra convivermos de novo com ele, em paz.

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