Vírus

“Todos os mamíferos do planeta instintivamente entram em equilíbrio com o meio ambiente. Mas os humanos não. Vocês vão para uma área e se multiplicam e se multiplicam, até que todos os recursos naturais sejam consumidos. A única forma de sobreviverem é indo para uma outra área. Há um outro organismo neste planeta que segue o mesmo padrão. Você sabe qual é? Um vírus.”
(Agente para Neo, no filme Matrix)

Quando um vírus nos ataca, nos ameaça como indivíduo e como espécie, a capa protetora do que costumamos chamar de humanidade, esse frágil equilíbrio mantido por punições, começa a ter pontos de ruptura.
Saem dos rasgos do nobre tecido algumas purulências tipicamente humanas, mas não humanitárias. Saem o egoísmo, a culpabilidade, a xenofobia, os preconceitos, o individualismo inflamado.
Saem também, sejamos justos, empatia e solidariedade.
Há empatia entre símios e outros mamíferos, como elefantes, cães e golfinhos, que cuidam de filhotes que não são seus. Um alento saber que no mundo selvagem, do qual já compartilhamos, nem tudo é violência e morte. Os mais fracos se cuidam, pelo bem da espécie, e este é um instinto empático. Nossa fraqueza nos tornou mais fortes.
Quando um leão crava suas presas na garganta de uma zebra ou gazela, a vítima entra em choque. Um tipo de anestesia que a natureza desses animais desenvolveu, fazendo-os aceitar o inevitável com menos sofrimento. Para eles, o inevitável está sempre por ali, rondando.
Para nós, sob o tecido social, escondemos o inevitável, nos esquecemos dele. Quando nos atinge, vemos um fenômeno não típico de outros animais: a histeria. Em um evento catastrófico sério, metade da população que pede calma será pisoteada pela outra metade, que grita e corre numa desordenada epilepsia histérica.
“Après moi, le déluge” (Depois de mim, o dilúvio) é uma frase que Luís XV gostava de citar, evidenciando o egocentrismo da nobreza da época. A frase lhe foi dita anos antes, no leito de amor, por Madame de Pompadour: “Après nous, le déluge” (Depois de nós, o dilúvio). A intenção de madame era nobre: queria consolar seu amante após uma memorável derrota na batalha de Rossbach, na qual, em 90 minutos e com o dobro de soldados do inimigo, o egótico monarca levou uma surra humilhante ao custo de muitas vidas.
Gostamos de estar no controle de tudo, mesmo sabendo que esta é uma tarefa impossível. O vírus virá, a mordida na garganta, mais cedo ou mais tarde, nos negará o ar. Nosso excesso de confiança nos levará a derrotas humilhantes. Podemos nos justificar dizendo “depois de mim, que se f*** o mundo” ou podemos ser menos virulentos, só pra contrariar o agente da Matrix.

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