O vento seria meu brinquedo preferido. Eu o usaria para desacomodar coisas, incomodar homens e deixar o céu tingido de brancos e cinzas. Eu ensinaria aos homens que um vento fraco acende chamas; um forte, as apaga. Eu ensinaria que uma brisa é um afago; um furacão, violência. Mas ambos são ventos. E os homens perceberiam que assim é também com os sentimentos.
Eu usaria o vento para lembrá-los, todos os dias, do resultado dos seus sopros de vida.
Se eu fosse um deus, cada ser humano teria sua cota de dor e toda dor teria o poder de transformar. As pequenas, para pequenas lições; as grandes, para refletir, repensar, recriar. E as pessoas não sentiriam as dores do mesmo jeito. Eu criaria pessoas mais doidas e menos doídas. Assim ninguém saberia ao certo o tamanho da dor alheia, e teriam que aprender sobre compadecimento e empatia, não na sua medida, mas na do outro.
A vida seria uma eterna escola, mas também o recreio, assim tudo junto. Cada um que se divertisse e aprendesse do seu jeito. Mas nada disso seria bom sozinho, brincar e aprender só valeriam a pena em bando.
Sendo eu um deus, o amor seria muito fácil de perceber. Num olhar, numa intenção, num sorriso, na entrega de uma flor. O amor teria mil formas de ser e de sentir. Ele não seria ofuscado por medos bobos como o de se entregar a uma prisão. O amor em essência impediria seu fingimento. Não haveria simulacros. Quem tentasse fingir amor logo seria percebido e acabaria isolado como pena por falsificação de artigo valioso.
Para ter tão refinados sentidos, os humanos seriam bichos complexos e poderiam se desentender em suas complexidades. Então eu os ensinaria a dizer palavras, com elas, eles descreveriam seus sentimentos, medos, desejos e intenções. As palavras resolveriam todos os mal entendidos. Também os ensinaria a contar coisas com números, para que não entrassem em conflitos por quantidades. As palavras contariam as coisas do sentimento; os números, as coisas da razão. E cada um teria sua poesia.
Eu daria a cada ser humano, pelo menos uma vez na vida, uma amostra grátis da morte. Não pra mostrar como eu seria um deus poderoso, ou para que ficassem me agradecendo e louvando, mas para que aproveitassem a vida e não se matassem antes do tempo. E o tempo seria ouro e o ouro, apenas matéria prima de enfeites.
Se eu fosse um deus, os animais seriam sábios, menos que os homens, mas com grandes valores para observar. Ensinariam fidelidade, humildade, coragem, estratégia, paciência, graça e amor incondicional. Também ensinariam a não ter mais que o necessário.
Enfim, se eu fosse um deus, nada seria diferente. Talvez apenas eu ampliasse, nos homens, a capacidade para ver mais claro o que está na sua frente.