É natural que palavras que estavam quietas, curtindo uma aposentadoria no fundo do léxico, voltem para ter seus momentos de glória. Em época de descobertas, revisões de conceitos e disrupções, é justo que palavras “novas” sejam usadas para designar conceitos novos.
O problema é que o troço vira moda e ninguém resiste a uma novidade. Colocou a palavra na vitrine, pronto! Tenho que usar. Mesmo que não combine com o resto do vestuário conceitual.
Lembro de “reengenharia”. Mudanças de mercado exigiram adaptações drásticas em grandes corporações e o termo começou a circular. Não demorou muito e já usavam ela para tudo. Todas as empresas do país fizeram, ou pelo menos colocaram nos seus folders e sites que estavam fazendo a tal reengenharia.
Mudaram os móveis de lugar: reengenharia do ambiente. Demitiram meia dúzia: reengenharia de setor.
Me surpreende não ter nascido a profissão “reengenheiro”, creio que os consultores foram mais rápidos e assumiram a função que já lhes era conhecida.
Isso chamou a atenção para os consultores e “consultoria” veio para o hall da fama. De um dia para outro, todos os vendedores morreram e nasceram os “consultores de vendas”. No cabaré da Tia Inês, no interior de Minas, foi pintado com letras luminosas: “Marque uma hora com nossas consultoras em prazeres carnais.”
Imagino o que os consultores de verdade sentiam, pois isso aconteceu também com a palavra “designer”. Sempre me considerei desenhista e arte-finalista, mas meu principal produto é a criação, então as palavras “design” e “designer” vieram para seduzir. Pensei que, se juntasse todas as minhas habilidades gráficas poderia me intitular “designer gráfico” . Ficou bonito! Até eu parecia mais bonito me vendo como designer. Naturalmente o conceito se espalhou e se subdividiu tanto, assim como meus interesses. Já não me sentia confortável em usá-lo. Hoje quando me perguntam com o que trabalho tenho que fazer um “speech” para explicar que vendo ideias, desenhos, artes e textos. Em agências de comunicação, pessoas como eu são denominadas “os criativos”. Quando há um problema de comunicação, eles libertam os criativos para fazer a bagunça, depois os prendem de novo antes que o caos se instale.
Mas voltando às palavras. “Solução” foi um estouro, é tanta firma oferecendo solução que prevejo a extinção de todos os problemas a curto prazo. Empresas como Uber e Airbnb explodem conceitos como a “disrupção” e palavra vira queridinha dos novos empreendedores. Marinada nos programas culinários da TV, surge “gourmet”, e da Caipirinha de Gin com Maguary servida num vidro de pepino, ao Churro polvilhado de MMs, tudo se gourmetiza. Das lutas sociais vem o “empoderamento” que logo ganha o dom da onipresença.
Inflar currículos, vender-se com glamour, usar palavras de realce são práticas comuns e válidas, mas namoram perigosamente com a desonestidade.