Nunca me esqueci: era criança e morávamos em uma casa modesta, forro baixo, de madeira cheia de farpas endurecidas pela tinta. Alguém achou muito trabalho lixá-las. Ali estava uma aranha papa moscas, caminhando de ponta cabeça com a tranquilidade de quem ignora a lei da gravidade. Fiquei fascinado e, como na época não existiam celulares nem redes sociais, dediquei-me a observá-la.
Ela foi se aproximando de uma mosca, que “tomava seu banho” também de ponta cabeça como se fosse a coisa mais normal do mundo. Senti uma inveja de mamífero recalcado. Ser inteligente é bem legal, mas custava muito para a natureza achar um jeito para andarmos em paredes e tetos com aquela desenvoltura? Sim, eu imagino o quanto custaria essa habilidade para o nosso corpo. É só recalque, mesmo.
Voltei a me sentir um animal superior quando vi a aranha se aproximando furtivamente da mosca, preparando um bote. Bicho estúpido! – pensei. Quando descolar as oito patas do teto para dar o pulo, a gravidade vai exercer seu poder e a mosca voará, rindo da queda do pobre predador que não foi contemplado com um eficiente par de asas.
A aranha estava decidida, calculava cada passo, chegando a centímetros da presa. Eu nem respirava, estava tendo meu próprio documentário da vida selvagem, ao vivo, no forro de minha casa.
A aranha aproximou-se cerca de três centímetros da mosca e ela continuava se lavando. Avaliei, na minha superioridade humana, que moscas ou são muito estúpidas ou têm uma enorme autoconfiança.
Então aconteceu! A aranha deu o bote DE CABEÇA PARA BAIXO E PEGOU A MOSCA!!
Inacreditável. Foi tão rápido e certeiro que não sei como aquele fascinante aracnídeo conseguiu a façanha.
Formei duas teorias: 1) A aranha, antes do bote, colou um fio de teia no teto e pulou fazendo um pêndulo, para não cair. 2) O impulso de suas patas foi tão forte e instantâneo que a projetou rente ao teto, de modo que pudesse se segurar antes de cair. Não sei qual a teoria, ou se tem outra, que é a certa. Hora dessas pergunto a um biólogo especialista. Mas ali nasceu minha profunda admiração pelos aracnídeos, que é seguida pela admiração aos felinos.
Observar animais e aprender sobre eles foi meu primeiro contato com o conhecimento aliado ao prazer. Não era compromisso, era diversão olhar gafanhotos, louva deuses, libélulas, cigarras e colecionar cascudos espetados com alfinete em uma prancha de isopor. Meu irmão comprava fascículos colecionáveis da enciclopédia “Os Bichos”, ricamente ilustrados. Ali, sei que se solidificou meu fascínio pelo desenho, de mão dadas com a biologia.
Gosto muito de observar e conviver com animais e continuo adorando aranhas. Sei que são monstros aos nossos olhos. Aos vários olhos delas, devemos ser monstros muito mais terríveis. E somos.