O pão nosso de cada dia

Já era uma cena típica naquela padaria. Os quatro velhinhos sentados à mesa diante de uma velinha.
Comemoravam mensalmente um aniversário. Não de um deles, mas de todos. Comemoravam as décadas de amizade, e a cada encontro, se parabenizavam pelo convívio saudável e duradouro. O ritual acontecia a cada trinta dias, o tempo já lhes havia tirado o luxo das comemorações anuais.

O ato também era de coragem revolucionária. Naqueles dias, abandonavam tratamentos, desafiavam gastrites, diabetes, osteoporoses e hipertensões. Preparavam-se já cedo e saíam orgulhosos de seus quartéis generais. Enfrentavam todas as dificuldades de locomoção e logística. Relógios sincronizados. Partiam bravamente para a missão de resgate da amizade conquistada, mesmo sabendo que poderiam ficar pelo caminho. Um risco de morte, sem o qual não se manteriam vivos.

Na fila da padaria, os clientes apressados para suas missões diárias, tinham um momento sublime ao ver os quatro velhinhos cantando “Parabéns a você” diante de uma pequena torta e suas proibidas xícaras de café forte. Assopravam em conjunto a modesta velinha. Todos que viam a cena levavam um sorriso junto com seus sanduíches, pastéis, pães e sonhos recheados. Sorriso que seria comido pela rotina, acompanhando seus lanches.

Ao ver os três velhinhos comemorando como sempre, com uma xícara de café e sua fatia de bolo servidos diante de um lugar vazio, os clientes apressados se sentiram fortalecidos pelo exemplo de superação do inevitável. Levaram fé, junto com seus sanduíches, pastéis, pães e sonhos recheados.

Quando os dois velhinhos cantaram alegremente o parabéns, com dois lugares vazios, suas fatias de bolo e seus cafés servidos, os clientes ficaram mais apressados. Era uma cena com a qual não sabiam ou não queriam lidar. Levaram apreensão junto com seus sanduíches, pastéis, pães e sonhos recheados.

Enquanto cantava o “Parabéns a vocês”, que saía engasgado e trêmulo, o velhinho deixava escorrer uma lágrima, que seguia o caminho sinuoso das calhas de suas rugas. Na fila, o tempo parou para que todos olhassem os quatro cafés, as quatro fatias de bolo e apenas um triste sopro apagando a velinha.

Naquele dia não teve pressa. Ninguém levou sanduíches, pastéis, pães e sonhos recheados.
Saíram todos com uma enorme fome de vida.

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