Minto

Estar parado em frente à folha em branco, sem um assunto, é constrangedor. É como aquele silêncio interminável que acontece no meio de uma conversa. Alguém precisa dizer alguma coisa, nem que seja uma bobagem.
Hemingway dizia que seu método para escrever todas as manhãs era começar com uma verdade. Na primeira frase, uma verdade simples, sem firulas, o resto viria.
Pois esta manhã não havia verdade mais simples e evidente: estava sem ideias. Este recurso, de falar sobre a síndrome do papel em branco, é velho. Escritores com prazo de entrega sempre acabam se valendo dele. Não é nobre, muito menos original, é raro encontrar esses valores no desespero. Certo, desespero é um exagero meu e esta é outra verdade simples. Nossas urgências, compromissos e problemas sempre consomem a quantidade de energia certa para parecerem desesperadores e enormes, mas, na maioria das vezes, são trivialidades com todos os pelos eriçados para parecerem maiores e causarem algum terror. Gostamos de ter problemas difíceis, parecemos mais importantes quando os contamos a outros felizardos com probleminhas banais. Viram como são sortudos, vocês aí me lendo tranquilamente, enquanto me escabelo?
O medo do branco e o medo escuro têm algo em comum: o incerto. Diante do que não sabemos, estacamos. Fugir? Desviar? Encarar? Criar uma fantasia confortável? Algo tem que ser feito para quebrar esse silêncio, nem que seja uma bobagem. O bom da incerteza é a possibilidade de criar e o bom de criar é poder mentir sem culpa. Recebe-se até elogios e aplausos por mentiras bem engendradas e de boa intenção. Uma boa história falsa está sempre cheia de verdades, assim como uma boa e verdadeira vida está cheia de falsidades.
Este texto, ali em cima, não tinha a intenção de ser um elogio à mentira, pois ironicamente se criou através do conselho de um mestre, de começar com uma verdade simples. Mas como pedir a um escritor que não minta? Como pedi-lo a um ser humano? Ao artista, foi permitido enfeitar a mentira com as nobres vestes da criação, que na intenção de parecer real, revela de imediato sua falsidade. Já na vida, para bem mentir, não se pode ser excessivamente verídico.
Agora, chegando perto dos dois mil e quinhentos caracteres que devem preencher esse meu espaço, fico contente de não ter utilizado o deplorável recurso de “encher linguiça” escrevendo qualquer coisa que venha à mente, tentando costurar uma certa lógica com toques de poética filosófica. Esta é uma verdade confortável, apesar de ser uma adorável mentira.

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