Malandras doses

Por que alguém entraria em um jogo apenas para perder? Quais razões levariam uma pessoa a empreender uma jornada somente pelo cansaço, pelas bolhas nos pés e pelas agruras do clima?
Não há sentido, a não ser que haja prazer no sofrimento ou uma imensa culpa e expiar. Mesmo nesses casos, o estímulo é um prazer, ainda que torto, ou o alívio de um fardo psicológico.

A vida é um jogo, ou uma jornada, analogias já gastas, mas eficientes. Ao se dar conta do mundo no qual está inserido, o indivíduo sabe que todos os dias perde um pouco do seu tempo, do seu vigor e da sua saúde.
Muitos, desde cedo, o sentem mesmo sem ainda racionalizar.

O tempo é desperdiçado na proporção de sua abundância, por isso, quando jovens, fazemos uso estúpido do tempo e, quando a idade avança, ficamos mais seletivos, ou pelo menos deveríamos ficar, com a entrega da nossa já escassa estadia no mundo.

O que traz ganho à vida? Muitos dirão que a vida se resume a trabalhar, prosperar, acumular bens para uma vida tranquila “no final”. Parece um plano razoável, mas tenho visto tantos fazendo deste plano um modo de perder a vida, em vez de ganhá-la, que não resisto ao questionamento.

Ainda vejo muitas pessoas presas ao “quando”: vou ser feliz quando tiver tal montante de dinheiro, vou me realizar quando tiver condições de tocar meu projeto, vou aproveitar a vida quando me aposentar. O “quando” chega, mas é quando a pessoa se dá conta de que essa espera toda não funciona, o que a leva recuperar o tempo perdido. Tempo perdido não se recupera e essa é outra armadilha que leva a uma terceira: as auto ajudas com fórmulas mágicas. “Coloque sua vida nos eixos em dez passos simples”, “Recupere seu rumo, um guia para…”.

É possível escrever um livro por mês compilando fórmulas, teorias, ideias e “rotinas dos vencedores”. Estes livros têm sua utilidade, assim como uma conversa de bar com os amigos. Não dá pra gerir a vida pelas conversas de bar, elas são um resumo, uma troca, um deleite, estímulos… são várias coisas mas não são a vida. Na ânsia de “recuperar o tempo” as fórmulas rápidas fornecem uma sensação de virada, um tesão momentâneo que logo ali vai fenecer e será necessária outra dose, outro “case de sucesso”, outro livro com um título “fodástico”.

O que falta então, senhor grande sábio, você pergunta, com justa ironia. Posso lhe dizer que acumular acervo não faz mal a ninguém. Assim como acumular dinheiro se faz com poupança diária e metódica, acumula-se conhecimento. Se dinheiro faz dinheiro, conhecimento faz sabedoria. A vida está lhe dando uma ruga por ano, lhe tirando um naco de vida por segundo, consumindo seu vigor e juventude em malandras doses indolores. Retribua! Para cada dia que a vida lhe tira, aprenda algo diferente que lhe sirva de acervo acumulado e filtro. Não há nada mais deprimente que um velho burro.

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