Uma vez na vida, tentei lavar meu carro. Tinha comprado um revolucionário lava jato com recipiente para colocar produtos de limpeza que seriam misturados e lançados com pressão suave, promovendo espessa e empoderada espuma.
Para fazer um trabalho profissional, arranjei um pedaço de esponja, um pedaço de colchão velho, na verdade, daqueles que a gente não sabe porque guardou. Era um pedaço de respeito. Um retângulo de 40 por 25 centímetros cortado com a faca de pão.
Com aquele aparato não abrasivo, eu conseguiria espalhar bem a espuma, que descobri ser bem insistente quando se coloca um tubo inteiro de detergente de cozinha no receptáculo do lava jato. Para fazer bem feito, deve-se usar abundantes recursos, pensava eu. Consegui chegar em todos cantos e detalhes, percebi que alcançar o teto pode ser bem difícil e perigoso, principalmente quando se está ensaboado sobre uma superfície também ensaboada e que tem o design similar ao de um escorregador. Em pouco tempo, que na verdade foi processo moroso, éramos dois seres espumosos disformes; num identificava-se pernas, noutro rodas. Aquele pedaço de esponja parecia ser um incubatório de moléculas de espuma. Por mais que eu o torcesse, mais massa branca de microbolhas surgia dos poros daquele tijolo mole.
O ser espumoso com pernas pegou o lava jato, configurou com certa dificuldade, devido ao ensaboamento geral, a opção “super jato em leque” e direcionou ferozmente a artilharia aquosa contra o ser espumoso com rodas.
Livre da espuma, que agora era uma cascata branca, lenta e soberba descendo a sarjeta, o carro dava a impressão de estar limpo, pois descobri detalhes nunca antes vistos na história daquele bólido, agora estático e dominado. Quanto a mim, cansado e molhado demais para uma manhã de domingo, ainda teria o processo de secagem, tarefa que faria muito a contragosto, pois, depois que descobri o fenômeno da evaporação, nunca mais sequei nada. Só meu próprio corpo após o banho, por uma questão de urgência social imposta em se vestir.
Trocando mensagens com um amigo especializado na arte de lavar carros, fui informado que secar ao natural deixaria o veículo cheio de manchas. O meu estava cheio de manchas, de sujeira, e eu não estava realmente me importando, mas, já que me propus à exibição com brilho e pompa, que a limpeza fosse feita direito. Era o que imaginava estar fazendo.
Munido de um bom pano absorvente, que na verdade era um pano de prato promovido a pano de carro, pois há muito não exercia sua função original, comecei o processo de arrebentar meus dedos em todo canto, grade e parafuso. O débil pano não dava a proteção da esponja aos meus dedos, agora praticamente tentáculos, enrugados de água.
Resultado? Meu carro ficou com a textura de uma girafa desbotada. Manchas foscas disformes sobre certas áreas de brilho davam toque deprimente. Na segunda-feira, levei o carro num profissional. Ele perguntou: “Tentou lavar o carro em casa, seu Gerso?” Ao que lhe respondi: “NHÉ!..”
Moral da história: Um processo de limpeza com lava jato deve seguir os ritos corretos, sem atalhos, com humildade, profissionalismo e sabedoria, pois as manchas se fazem notar tanto quanto a sujeira.