É preciso dar de comer à curiosidade

Estava lendo “O médico e monstro, e outros experimentos”, da Darkside Books, e, na introdução do tradutor, falando sobre a história do autor, príncipe narrador Robert Luis Stevenson, deparei-me com a palavra “romanesco”. Eu já tinha ideia do significado ligado à literatura: romance fabuloso, aventura, mistura de realidade e fantasia. Mesmo assim, parei e dediquei uns minutos para me atualizar do significado.
Nos primeiros resultados, descobri que romanesco é inflorescência comestível de um tipo de brócolis, parente da Couve Flor. Muito bonito, por sinal. Suas inflorescências parecem micro pinheirinhos de Natal.
Pesquisando um pouco mais, vi que esse brócolis é um fractal, forma geométrica formada por fatores de escala. Cada brócolis é composto de flores menores que, por sua vez, apresentam flores ainda menores de forma semelhante e assim por diante.
Indo adiante, vi que há um estilo de arte romanesca, do francês romanesque, mais ligado à escultura e arquitetura, mas que também compreende decoração e pintura. “Esteve em voga na Europa dos séculos 12 e 13, absorveu elementos góticos, celtas, carolíngios, gauleses e islâmicos, criando um estilo eclético que misturou a tradição cristã com a pagã, o Oriente com o Ocidente, combinando estilizações com imagens distorcidas.” Passeei um pouco por obras e autores.
Também descobri que Romanesco é um dos muitos dialetos italianos, no caso, o dialeto social, ou sotaque do povo romano.
Veja que uma pausa em um livro para pesquisar uma palavra me levou para um novo mundo de conhecimento. Fiquei imaginando como isso é fácil hoje, nem precisei sair do sofá, foi só pegar o celular ao lado. Se estivesse no Kindle, clicando na palavra, já abririam janelas de pesquisa. Sou da época em que esse trabalho exigiria horas. Ir à biblioteca, catar um volume de enciclopédia e depois mais uns dois ou três livros ou volumes (botânica, matemática/fractais, história italiana, talvez fosse para filologia, artes, geografia italiana…) provavelmente passaria uma tarde e sairia de lá com mais dúvidas e curiosidades. Um fractal de curiosidades. Misturar conhecimento como um alquimista obstinado em busca da pedra filosofal, como a humanidade foi misturando idiomas e formando dialetos.
Da minha história de monstro, médico e mistérios caí em outras e já criando novas narrativas romanescas. Uma delas tinha a ver com zumbis brócolis. A imaginação não tem senso do ridículo nem estético. Nem pode ter. Deixemos isso para o refinamento posterior.
Volto para o mundo que me acolhe e constato mais uma vez o quanto o conhecimento está acessível e o quanto pouquíssimos cérebros se interessam em deter-se com ele. A morte do amor pelo conhecimento legítimo e desinteressado e o orgulho da ignorância forjam zumbis a cabresto. Volto para meu livro, de médico, de monstro e de mistérios romanescos. Me sinto em casa ali.

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