Flexão do verbo ser, só que mais pragmática.
Se em vez de “Ser ou não ser…” Hamlet tivesse perguntado “É ou não é, porra?”, não estaríamos pensando na questão até hoje.
O “é” é imediatista, quer as definições assim, na cara, não é como seu primo “ser”, sempre imerso em filosofia.
“Vai ser hoje?” traz a possibilidade de um “talvez”, embutida.
“É hoje?” dito assim de supetão (quase nem se percebe que é uma pergunta) já pede um “sim” ou “não”. O “ser” é morno, o “é” é quente. O “é” bate na mesa, o “ser” ajeita os cotovelos.
Quando batem à porta em horário de visita: “quem poderia ser?” ; se batem de madrugada: “quem é?!”. O “é” é nervoso: “É foda!” , mas também pode ser reflexivo, como em velórios: “É a vida…”, ao que o outro responde: “É! É foda!”.
O “é” se dá mal quando o colocam na maldita frase: “Qual é o sentido da vida?”. Até o “qual é” pede uma resposta cartesiana, o resto já é do domínio do ser, por isso é de bom tom perguntar o sentido das coisas sem o “é”, a pergunta funciona igual.
Já quando falam da cabeleira do Zezé, segue-se a ardileza do “será que ele é?”. Veja que o “ser” maliciosamente disfarçado e indeciso, no futuro do presente, se aproveita do “é”, em evidente covardia, ao mesmo tempo que estimula a curiosidade e joga toda a responsabilidade ao “é” da resposta definitiva. É mesmo desprezível, esse “ser”.
Para fins práticos: mais vale um “é” na boca do que dois “ser” elucubrando.
Ou é tudo ao contrário e já não sei. Na condição humana, errar é ser.
(Este texto é parte da coletânea “Por cima é Millôr”, lançado este ano pelo projeto Santa Sede, editora Metamorfose)