Começar a escrever tomando café e sem assunto instiga a escrever sobre o café ou sobre a falta de assunto.
Não vou cair nessa armadilha, já não sou tão novato assim na escrita. Também tem o prazo, nesta semana não consegui escrever todos os dias, conforme meu plano. Planos falham, a vida é dinâmica e não há como ter as rédeas sempre nas mãos. E isso é ótimo. Lidar com surpresas e se readaptar é o que vem funcionando há milênios para a evolução. Então eu poderia também escrever sobre os prazos e o tempo, até sobre a evolução. Assuntos que abandonarei solenemente, só porque me vieram.
Poderia olhar pela janela e ver o amanhecer, sempre dá vontade de escrever algo, mas não hoje, tudo parece igual. Os mesmos motores, o mesmo sol, os mesmos pássaros. Nada nunca é igual, apesar de tudo se repetir. Não vou me repetir falando disso.
Se alguma ideia ou assunto me vier à cabeça, hoje irei rechaçá-las. Não quero escrever sobre o futebol de ontem, sobre o vírus da temporada, sobre oitenta mil mortes, muito menos sobre incompetência política. Também tudo isso é mais do mesmo com novo figurino.
Acho que valeria a pena escrever sobre “rechaçar”, este verbo pouco usado. Rebater, afastar, repelir, também servem bem. A ação de repelir parece simples, aquilo que não me agrada eu rechaço. Raramente nos perguntamos: por que não me agrada o ente repelido?
Vamos retirar dos parques todas as estátuas de ditadores e perversos que a história revelou. Vamos dizimar ideias totalitárias. Vamos jogar no precipício o autoritarismo. De acordo com as três ideias?
Dizimar duas eu concordo, são as que ferem valores básicos da humanidade. Totalitarismo acaba com a liberdade dos que se submetem e com a vida dos que não. Portanto é um erro humanitário.
Autoritarismo é corrupção da autoridade, são próximas mas muito diferentes. Autoridade vem do reconhecimento, autoritarismo vem da tentação totalitária.
Retirar as estátuas dos parques é como eliminar trechos racistas de livros clássicos. É retirar do campo de visão aquilo que incomoda, mesmo que tenha sido história. É rechaçar a capacidade de pensar.
Acho que seria mais produtivo colocar um painel ao lado das estátuas dividido em duas colunas: “Por que foi um herói?” e “Por que foi um monstro?”. Pensar sobre os fatos, as pessoas e suas decisões, no seu tempo, é sempre melhor do que ignorar. O mesmo amanhecer que vejo da minha janela foi o angustiante prazo final de decisões aterradoras. É o mesmo amanhecer mas foram outros, com outras realidades, outros valores e outros contextos. O sol era o mesmo.
Vlad Tepes, o voivode romeno conhecido como o “Drácula histórico”, foi responsável pela “floresta dos empalados”. Aproveitando-se de sua fama de crueldade, Vlad providenciou um espetáculo macabro na entrada da Valáquia, empalando 20 mil inimigos com o objetivo de afugentar os turcos invasores. Muitos o consideram um herói de uma época em que a crueldade era necessária para proteger o povo.
Também não sei como fui de um caneco de café à floresta de empalados, mas quem tem as rédeas das ideias sempre à mão?