Aos belos

As portas do inferno se abrem para dentro. É comum referir-se ao abrir das portas dos domínios de Hades quando entram, na nossa bela cena, pessoas cuja estética é diversa ao nosso padrão. O padrão estético vai sendo criado nas sociedades e muda conforme alguns ditames que a publicidade, a moda e os modismos sociais vão impondo. Que inconvenientes os gordos, os velhos, os narigudos, orelhudos, altos demais, baixos demais, flácidos, sem bunda, peito demais…. “Ela podia se cuidar um pouco né, ein?”, “Cabelo no sovaco?”, “Aquela cor, parece sujeira…”
Ser aceitável é o inferno! Mesmo os semideuses que vagam entre os mal diagramados mortais envelhecerão e experimetarão o inferno, que tanto anunciaram o abrir de portas, enquanto suas carnes pregavam-se firmes aos ossos e suas peles tratadas, hidratadas, douradas, esticadas, alvas, depiladas, tatuadas, exerciam a nobre função de dar o verniz às suas jovens e seletivas almas.
Quando abrem suas bocas para jactarem-se do quanto são belos, por indireta (ou nem tanto) comparação higiênica com os feios que invadem o ambiente, pode-se ver, no fundo das gargantas, o fogo dos seus mares ardentes de despeito e desumanidade.
Tribunais de brasas definem, catalogam, comentam e ridicularizam os de estética fora do mais novo padrão da mais recente moda da velha mania de comparar.
Como podem ser tão livres, essas pessoas feias? Como teimam em ser sociáveis, expondo suas fealdades? Temos que aprisioná-las em substantivos e adjetivos. Celulite, baranga, vagabunda, peluda, gay, culote, pernas finas, cicatriz, pelanca, tetas caídas. Nada escapa à firme e sarada língua, tonificada nas academias do preconceito.
Para os medíocres, dá muito trabalho garimpar a beleza nos outros, se ela não está exposta e emoldurada. Se não está nos catálogos que definem o que é belo, não existe. O contemplador da beleza fast food não sabe cozinhar o belo com outros condimentos. Ele o compra, de acordo com a oferta, em balaios. O que foge disso é para deleite de seus comentários narcísicos.
Mas a beleza está no mundo e nas pessoas, e as portas do inferno se abrem para dentro, e são emolduradas por lábios, e logo na entrada, inquieto tapete vermelho, cravejado de papilas, cobre um rio de veneno e lhe dá as boas vindas:
– Bem vinda, bela alma! Fique à vontade e consuma-se no magma das vaidades.

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