O que há para dizer sobre um dezenove de fevereiro? É um dia igual a todos, com sua indelével modificação na paisagem com relação ao dia anterior. “Nada de novo”, dirá a pessoa que viveu de ontem para hoje e que você cumprimenta na rua e pergunta, por educada convenção, “quais a novidades?”, E que chata seria a pessoa que desfiasse filosoficamente a mutabilidade constante do mundo após a pergunta feita por educada convenção.
Mas se olharmos pela lente íntima do conhecimento de mundo, se nos detivermos um pouco em outras vidas, sabemos que muito mudou. Olhamos para o macro e ele se mostra imutável. O cientista, que olha para o micro, extasia-se com as rápidas mudanças. Somos o micro de algum macro e vice-versa.
Estamos nessa posição de meio consciente que nenhum outro ser conhecido experimenta. Observamos os universos estelar e subatômico, avaliamos uma boa dose de futuro e temos um razoável acervo de passado.
Como não ser acometido da síndrome de filho único? Especial? É muito fácil envaidecer-se por ser humano, diria que é até natural, considerando a época e como vivemos. Criamos tecnologia, cidades, conforto, dominamos variadas técnicas, inovamos. Criamos uma redoma que nos protege dos macro mistérios e colocamos dentro dela outros seres como nós. Expulsamos as feras irracionais e passamos a conviver somente com feras iguais, e até para isso criamos e dominamos mecanismos de controle e proteção. Há problemas sob a redoma, mas melhor debaixo dela do que fora. A entendemos, transitamos bem pela maioria das regras, por isso somos orgulhosos da nossa prisão. Por isso a sensação da soberania humana.
Mas vá para o mundo aberto e o sentimento natural será a humildade diante do incomensurável caos que sempre esteve aí durante incontáveis dezenoves de fevereiros. Vá para o mar aberto e se sentirá uma gota, vá para a floresta e se sentirá uma folha, vá para o deserto e se sentirá um grão.
Hoje é o dia em que você está lendo isso e não importa o número e o nome que lhe deram, enquanto você lê será dezenove de fevereiro. Da minha redoma de cronista, eu decidi estancar esse tempo e você não pode fazer nada quanto a isso enquanto estiver nesse espaço de tempo e texto. Como você veio parar aqui não me diz respeito, assim como não me será possível saber como você vai sair, tudo isso é com você.
Não sei bem onde quero chegar com isso, por enquanto só quero lhe manter preso nesse dia dezenove e que pensemos um pouco nele. É um dia único e é todos ao mesmo tempo. Aqui nessa redoma frágil, eu estou lhe dando temporária proteção para pensar num dia, por um breve momento. Logo ali adiante está o tempo aberto, o mar de horas, a floresta de dias, o deserto de semanas.
Este é o dezenove de fevereiro no qual nada aconteceu e tudo aconteceu. Assim que você levantar os olhos dessa crônica, não será mais, será o outro dia ao qual deram este outro número e nome. Ele será inteiramente seu.