Todos contra todos

O ódio que verteu ininterruptamente das redes sociais diante da execução sumária da vereadora do Rio Marielle Marielle Franco e de seu motorista Anderson Pedro Gomes deixou muita gente perplexa. A sociedade tem falhado muito na construção de consensos. Esse assassinato, infelizmente, é apenas retrato de um mundo em desacordo, em que até a democracia e a cultura motivam guerras e conflitos.
Ao contrário dos regimes políticos de força, que determinam de cima para baixo visões de mundo únicas, as democracias abarcam uma pluralidade de modos de vida, de identidades coletivas e individuais, com seus anseios, aspirações e urgências. Somente neste segundo sistema, em que o povo é soberano, o debate público, o esclarecimento e o convencimento do outro são caminhos para que maiorias e minorias construam acordos, tolerem-se, respeitem-se e harmonizem-se.
Entretanto, o brutal assassinato de Marielle e Anderson e sua repercussão nas redes sociais demonstra que a sociedade tem involuído nesta direção. A intolerância e o extremismo reinam justo nos aspectos em que deveriam triunfar os direitos de todos, o respeito mútuo e a igualdade na diferença. Quando a população envereda nesta direção é porque a própria democracia corre risco.
Filósofo e neurocientista, Joshua Greene fala de uma “tragédia da moralidade do senso comum” ao examinar esses desentendimentos nas democracias atuais. Ele defende que somos talhados para viver em tribos morais, e não em um universo cosmopolita. Uma ética global ainda está para ser erguida. Eis aí um dos mais desafiadores objetivos do nosso tempo — e não a cultura da superioridade moral e exclusão do outro, como se vê diariamente nas redes sociais. Para nosso azar, elas se tornaram não num espaço de diálogo, mas numa arena de todos contra todos.

Últimas Notícias

Destaques