Desde muito cedo, nós, gaúchos, somos ensinados a preservar as tradições. Na maioria das casas, o chimarrão é um hábito diário, o churrasco é o prato preferido das comemorações e a música nativista a trilha sonora das festas. Os piás são acostumados desde a cedo a usarem a pilcha, com botas de cano alto, bombacha, camisa e lenço no pescoço. Para as meninas, metros e metros de tecido dão origem a belos vestidos. No alicerce da cultura, a história de nossos “heróis”: Bento Gonçalves, Davi Canabarro, Teixeira Nunes, Antônio de Souza Netto, Giuseppe Garibaldi e tantos outros. No lombo do cavalo, primeiro defenderam o “continente” das invasões castelhanas e depois desafiaram o imperador e proclamaram uma República, pela qual muita gente morreu em dez anos de guerra.
Algum problema com isso? Absolutamente nenhum. É importantíssimo que todos conheçam as origens do Rio Grande e os principais episódios da história. O problema surge quando ela é contada pela metade e, intencionalmente, as pessoas escondem que, em meio a tantos motivos para nos orgulharmos, também existem episódios da mais rasteira infâmia. A própria gênese da Revolução não tem nada a ver com a busca da liberdade para os gaúchos, mas com os impostos cobrados sobre o charque, que reduziam os lucros dos ricos estancieiros do sul.
Não se pode esquecer, por exemplo, que, ao fim da revolução, alguns de seus líderes permitiram o massacre de um grupo de lanceiros negros. Eram escravos aos quais se prometeu a alforria quando a guerra acabasse. As forças imperiais temiam que, se o compromisso fosse honrado, o Rio Grande se tornaria berço de um gigantesco movimento abolicionista. Um risco que ninguém desejava correr.
Então, o certo é festejar os feitos dos antepassados, mas sem fazer de conta que eles também produziram muitos crimes vergonhosos. Cultuemos o lado bom de ser gaúcho, a nossa identidade, mas nunca esqueçamos de nossos equívocos. A história existe para ensinar, para não repetirmos os erros do passado.