O engarrafamento na rodovia o irritou bastante. O fluxo intenso de veículos naquele trecho era comum, mas aquela tarde indicava que algo atípico por certo havia ocorrido. Do contrário não estariam as duas pistas paradas e abarrotadas de carros. A chuva forte, que já havia cerca de meia hora se fazia presente, embaçara o vidro e prejudicara a visibilidade. Essa situação pouco ou nada mudaria se o desembaçador do carro velho de duas portas estivesse funcionando, pois a carroceria enorme do caminhão à sua frente já era obstáculo mais do que suficiente para impor limites ao campo de visão do angustiado homem à direção. Restavam ainda cerca de 10km para completar o percurso. Mas logo hoje! Gritou e esbravejou ele dentro do carro, agarrando-se fortemente ao volante. Merda! Que merda! Pensou no quanto só desejava chegar em casa, fechar a porta e poder então desabar sem nenhuma testemunha da dor que lhe dilacerava o peito. Um ano e meio apostando nela! Um ano e meio acreditando! Droga! Por que eu entreguei meu coração a ela dessa maneira? Idiota! Eu sou um baita idiota! Da onde que tiram tantos caminhões, meu Deus?! Sai da minha frente, seu bosta! Cotidianamente aquele azedume todo não lhe acompanhava. Era um homem alegre, muito comunicativo e, não raro, embora sério também conseguia se soltar e mostrar-se divertido com os mais íntimos. No entanto, aqueles últimos dias vinham sendo amargos e difíceis. O amor que ele cultivara com tanto cuidado dava sinais de ter repentinamente adoecido. As recordações e o sentimento da eminente perda daqueles maravilhosos momentos outrora vividos na companhia da amada, faziam intermináveis qualquer minuto presente. O seu amor por ela era também o seu eixo e, sem este, nada mais haveria. Jurou nunca mais amar de novo como se regredisse à juventude.
Ele sabia que ao vencer a porta do lar encontrar-se-ia em segurança e na solidão necessária para poder, finalmente, chorar feito criança abandonada em meio à uma multidão de estranhos. Depois de uns 45 minutos a mais no angustiante engarrafamento da estrada, finalmente o caminho foi liberado e os veículos vagarosamente retomaram o fluxo. Suspirou aliviado e, franzindo a testa, soltou: no mínimo algum motorista abobado provocou acidente!
Tá sempre cheio de maneta nessa faixa! Tô louco pra urinar e preso até agora nessa joça de rodovia! Chegou em casa e correu pro banheiro, sem sequer atinar fechar a porta principal da entrada do aconchegante chalé de madeira nobre, construído em meio ao terreno de mil metros quadrados e cercado por árvores frutíferas das mais variadas espécies. Ali era o seu recanto, lugar adquirido a duras penas, após décadas de trabalho mal remunerado. Tentara manter alguns animais no terreno, mas, com o passar do tempo seu trabalho de escrevente cartorário foi o absorvendo de tal maneira que, residindo sozinho se mostrou inviável a conciliação do ofício diário com a devida atenção aos bichos. Então sua companhia em casa passou a ser os passarinhos que pousavam nas árvores mais próximas à casa e tanto alegraram com seus cantos e assovios. Mas aquele início de noite prometia ser pesaroso. Sem canto algum e sem o som da voz da sua amada em chamada de vídeo, com aqueles olhos lindos e vivos a lhe perguntar como fora o dia.