Falcetta Barber, rua Nova York, 10, POA

Fechou a porta às 19h45, exausto.  Apagou as lâmpadas internas, foi até o frigobar, abriu uma cerveja long neck e sentou-se na poltrona próxima à porta de entrada. No escuro, de dentro do estabelecimento e de frente para a calçada da Rua Nova York, bem de esquina com a 24 de Outubro, se pôs a observar o movimento dos transeuntes e dos carros. Afrouxou os cadarços dos sapatos e os descalçou, esticando as pernas sobre um banquinho auxiliar. Havia passado as últimas oito horas em pé cortando cabelos e barbas. Do assento voltou a vislumbrar aquele ambiente. Sorriu ao lembrar de cada detalhe. As três cadeiras ali fixadas, cada qual à frente de um grande espelho redondo, e cada espelho preso à parede principal onde também ficavam as bancadas individuais dos três barbeiros que ali ganhariam o pão. Tudo muito bem planejado. Simples, sem exageros ou luxos, mas num espaço pequeno muito bem distribuído e organizado. Tesouras, máquinas de corte, secadores, pentes, pincéis de barbear, giletes, espumas, cremes e pastas capilares, géis e spray’s, toalhas. Outro gole e de novo o imenso orgulho pela conquista do tão sonhado próprio espaço de trabalho.

Depois de anos como empregado, e nesse período tendo vivenciado muitas experiências, enfim seria na sua própria barbearia que desenvolveria o ofício no qual tanto se empenhara em aprender e evoluir. Economizara cada centavo possível, juntara todas as gorjetas ganhas, privara-se de muitos prazeres e, em silêncio, programara-se para aquela nova fase. Não cabia em si tanta satisfação. É verdade que, por vezes, diante de novos e ousados desafios lhe vinham alguns daqueles frios na barriga, um ou outro tremor de nervoso ou indesejadas dores de cabeça. Mas algo nele desde moleque sempre fora carregado de uma autoconfiança invejável e, para cada nova dúvida ou medo que surgia, em seguida encontrava a resposta satisfatória. Havia resolvido a necessidade de alcançar a caução de três meses de aluguel à proprietária do imóvel, tinha já negociado com o carpinteiro, com o pintor e com o eletricista e, em apenas duas semanas de intensa correria lograra abrir as portas da sua Falcetta Barber, a novíssima barbearia de uma das ruas mais elegantes da Capital gaúcha. Lutou muito para que isso acontecesse.

Anteviu que seu tempo no emprego anterior estava se findando e decidiu que empreenderia no seu próprio negócio. Sabia ser necessário garantir que permanecesse trabalhando no mesmo bairro onde já se tornara bastante conhecido como o bom barbeiro que era. Ali, a menos de duas quadras na barbearia anterior, como empregado consolidou a sua clientela. Era gentil e observador.

Durante os cortes interagia com os clientes e ouvia suas histórias. Aprendia bastante com os relatos de outras vivências e, por isso, preferia sempre mais ouvir do que falar. Um reinício. A vida se reinventando e mil planos na cabeça e no peito. Algumas cicatrizes no curso. Muita superação. Mais um gole e pensou: um brinde aos que lutam e vencem como eu. Um brinde também aos que tentaram e ainda não conseguiram. Um brinde a Regina, minha esposa. Um brinde aos meus protetores! Um brinde aos amigos! Um brinde à fé que nunca há de me faltar! Um brinde à força de um povo que trabalha, luta e sobrevive! 

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