Minha mulher sempre enxerga o copo meio cheio. Mesmo quando eu, um pessimista mórbido, busco demonstrar que os julgamentos de Andréa podem estar estaiados em mastros instáveis, ela encontra argumentos suficientes para transmitir a mensagem que de fato, para ela, importa: ainda que o copo esteja meio vazio, sempre haverá motivos para a gratidão, pois o vaso poderia estar totalmente vazio ou nem mesmo existir. Diz tudo isso do jeito dela, nocauteando qualquer contra-argumentação possívelpor parte de um propenso niilista, sobre cuja cabeça às vezes pairam dúvidas sobre o sentido das coisas.
Li recentemente o artigo publicado no jornal americano The New York Times, “A gratidão realmente é boa para você; Eis o que a ciência mostra”.O texto aponta para vários estudos que descobriram que ter uma visão grata, “contar as bênçãos” e expressar gratidão aos outros pode ter efeitos positivos em nossa saúde emocional, bem como em relacionamentos interpessoais e românticos. Mas, “sentir isso é apenas metade da equação”, diz no artigoPhilip Watkins, professor de psicologia da Eastern Washington University e autor de “GratitudeandtheGoodLife”. A outra metade está na “expressão” da gratidão, igualmente importante para quem quer colher os benefícios dessa emoção, disse Watkins.
Alguns dos estudos pediram aos participantes que escrevessem cartas de agradecimento, ou que listassem as coisas positivas em suas vidas e, em seguida, medissem os efeitos dessas ações. Os resultados sugerem que a realização desse tipo de atividade proporciona benefícios à saúde mental – reduzindo sintomas de depressão e ansiedade, aumentando a autoestima e melhorando a satisfação com a vida diária.Além disso, ao analisar as disposições das pessoas, os pesquisadores descobriram que aqueles que são mais propensos a experimentar gratidão em suas vidas diárias têm níveis mais baixos de depressão e dormem melhor.
“O que me impressiona são os resultados objetivos e biologicamente verificáveis que vão além das medidas de autorrelato”, disse o psicólogo Robert A. Emmons, que liderou um dos estudos. A gratidão também foi associada à pressão arterial mais baixa, e, em um estudo piloto, a níveis mais altos de variabilidade da frequência cardíaca, um marcador de bem-estar, por exemplo.
Para a ciência, a capacidade de nos sentirmos gratos faz parte do processo evolutivo e está ligada à nossa biologia; está no nosso DNA. Alguns indivíduos apresentam mais predisposição para a gratidão, enquanto outros precisam de mais estímulo para senti-la.
Por outro lado, atravessamos um momento da cultura em que gratidão se tornoua mais nova tendência daquilo a que chamam de espiritualidade. Se bem observarmos, a palavra “gratidão” e seus corolários (tipo: gratiluz!) está mais para uma hashtag da moda do que para a demonstração genuína de um sentimento curativo. Por isso, especialistas têm alertado que existem diferentes expressões de gratidão e que nem todas trazem os benefícios almejados.
De minha parte, ainda analiso o fato de a tal “gratidão” ser, na maior parte das vezes, impessoal. Quero dizer: é dirigida para o cosmo, para o universo, para as coisas e fatos que nos cercam–o dia, a noite, as montanhas, os rios -, mas raramente para alguém.
Assim, nutro muita gratidão pela minha parceira. Só ela é capaz de me mostrar que há um copo sobre a mesa. E que ele está meio cheio, pelo que também sou grato.