Glória nacional

Em 1979, o Internacional saiu-se campeão brasileiro de forma invencível. Havia na equipe alguns remanescentes dos times campeões de 1975 e 1976. Os setenta foram os anos dourados do clube das camisas encarnadas. Faço chistes com amigos gremistas contemporâneos, dizendo-lhes que eu, sim, tive infância e adolescência felizes. Raros eram os grenais perdidos, o colorado enfileirou oito títulos seguidos do gauchão e culminou a década como tri-campeão nacional. Só nos preocupávamos com o Iúra. Não era o Grêmio o nosso adversário. Era o Iúra, capaz de fazer gol aos 14 segundos de um grenal. Iúra era a nossa preocupação.

O bolo colorado tinha uma cereja para os montenegrinos. Um centroavante chamado Tadeu. Tadeu meteu três gols em uma partida amistosa contra o Flamengo, em um daqueles jogos tão comuns naqueles tempos, de colocação de faixas nos peitos dos campeões. A estes fatos, chamo de infância e adolescência felizes.

O que nos entretinha era ouvir pelas rádios de Porto Alegre as narrações épicas dos locutores, quando transmissões televisivas eram mais raras, fosse pela tecnologia incipiente, fosse porque a transmissão ao vivo roubava público e renda dos estádio. Sim, gurizada, houve esse tempo. Depois, íamos para os campinhos, tentar reproduzir os grandes derby em meio às rosetas ou em chão de terra.

O tempo se encarrega de nos trazer cuidados outros, que não sejam ganhar ou perder grenal.
O ano do último título nacional do Inter, foi o ano dos meus 17. É o ponto a partir do qual o imberbe rapaz pensa em comprar seu primeiro barbeador. É a primeira de todas as encruzilhadas que a vida se nos apresentará. Psiquê e hormônios te arrebatam da inocência da aurora da vida que os anos não trazem mais.

Em 1979, aprendi que devia sonhar com a volta do irmão do Henfil que partira em um rabo de foguete. Quando a estação orbital americana Skylab despencou do céu em 11 de julho daquele ano, pensei que fosse a volta do Betinho, o irmão do Henfil. Não era, mas prenunciou a volta de muita gente que partira para o exterior, não em um rabo de foguete, mas sob mira dos fuzis do regime militar. Aprendi que devia propugnar por uma lei de anistia ampla, geral e irrestrita, que remisse os pecados de todos. Em 28 de agosto do ano do meus 17, o general-Presidente João Baptista de Figueiredo promulgou a lei que permitiu o retorno messiânico dos exilados.

Aos 17, eu tinha utopias. Como disse Eduardo Galeano, utopia serve para nos manter em perseguição ao horizonte. A cada passo que damos, o horizonte se distancia outro passo. Utopia serve para nos manter em marcha.

Esperava de verdade que os políticos repatriados trouxessemo reino de Deus à terra brasilis, em que justiça e igualdade levassem a que meus pais ainda pudessem usufruir das alegrias da vida e não tivessem que suspirar profundamente a cada necessidade básica suas ou dos filhosnão atendidas.

Um guri minimamente politizado, há de pensar que todo o mal está no establishment e que bastaria descontinuá-lo para que haja cura para aangústia existencial.

Os meus heróis morreram todos de overdose. Corrupção, umbiguismo, aquela droga que nos leva a focar no próprio umbigo, desconsiderando a nuanças de alteridade. Aos meus heróis coube-lhes construir utopias próprias, escondidas nas parlapatices democráticas e humanistas, desconsideradas se poder e dinheiro lhes forem entregues em troca.

Chico Anísio ilustrou muito bem esta condição pela boca de seu personagem Justo Veríssimo que, Veríssimo, não era justo.“Pobre tem que morrer. Eu quero é me dar bem”, era o bordão do personagem.
Em um dos próximos fins-de-semana, o Inter será outra vez campeão brasileiro, 41 anos depois. É a minha utopia presente.

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