O gringo velho caminhava pelas areias mais firmes da praia com seus passinhos de passarinho, tão curtos quanto instáveis. Calçava um par de tênis de número 44, acho, calça clara de tergal, um boné de propaganda de posto de gasolina e camiseta amarela da seleção de futebol, que conseguia meter por dentro da calça apesar da pronunciada barriga. O narigão avermelhado apontava para alguns graus acima do horizonte na tentativa de melhor ajustar as lentes bifocais para ver o mar. “Está bonito, hoje; bem limpo”, disse a respeito da água, ao me perceber ao seu lado. “Ontem tava um chocolatón”, completou, sotaque denunciando a procedência da colônia italiana da Serra. “Vim pra praia por que o filho insistiu.
Perdi a senhora em julho. Ele tem medo que eu tenha depressão, sozinho. Eu não tenho depressão, só fiquei um pouco triste”, confidenciou-me sem se importar que fosse a um estranho. Ou, talvez, por isso mesmo, por eu ser um estranho. “Vou voltar pra casa no domingo”. Nenhuma vez me olhou. Olhava para o mar. Para além das ondas. Pensei que nem era comigo o papo. Não havia mais ninguém tão próximo quanto eu para poder lhe escutar. Só podia ser comigo.
E, antes que eu conseguisse dizer qualquer coisa:
– O filho é médico e a mulher também. O neto não vejo há dois anos. Tá morando fora. Não veio nem pro enterro da avó. A avó gostava muito dele. Vou voltar pra casa no domingo e o filho e a nora vão viajar mais longe. Eu disse pra eles que podem ir. Eu não vou ter depressão.
Inspirei fundo algumas vezes na tentativa de iniciar uma frase que demonstrasse meu interesse, mas, sem perceber, ele não permitia.
Buscava rapidamente processar a motivação pela qual um idoso se permitis separar ao lado de um estranho para falar, ao que parecia, consigo mesmo. Será este o fim de todos nós? Entregarmo-nos aos solilóquios, ainda quando acompanhados, por já não esperarmos respostas ou interação dialogal em razão dos traumas da solidão, condição em que são lançados os solitários compulsórios? Alguns, pelo menos, falam com a Alexa ou com a Siri, fiz graça mentalmente. Ao pensar nessas “assistentes virtuais”, imediatamente ocorre-me que tudo tem se tornado virtual: as amizades, os amores, os doutores. Esta virtualidade busca disfarçar porcamente a solidão que se nos assalta cada vez mais. Estamos cada vez mais longe das pessoas.
“Eu não sei como as coisas vão ficar, agora”, seguiu o gringo, estalando os beiços.
– Não sei como vai ser. Eu tinha esperança que o Bolsonaro fosse melhorar a nossa vida. Agora o Lula ganhou. O Lula já foi presidente. Não era ruim, mas dizem que ele roubou bastante.
Mudara o rumo do monólogo? Ou eram temas com consequências necessárias?
– Esta camisa era do meu filho. Me deu para vestir nos jogos do Brasil. Ele usou pela última vez quando foi votar em outubro.