Por sorte, ainda antes das políticas de distanciamento social, adquiri a obra “Guerra e Paz”, de Liev Tolstói, cujas 1.532 páginas tornaram-se uma das minhas principais atividades nesses dias de pandemia. Com certeza, além do clássico que é, ficará na minha memória não apenas pelo fato de que fui obrigado pelo médico a usar óculos para a sua leitura, mas porque é possível fazer inúmeras relações entre a obra do escritor russo e o momento atual.
Não é incomum ver pessoas e até autoridades compararem o combate ao Covid-19 a uma guerra. Ideia da qual, confesso, nunca gostei muito, até porque, neste momento, precisamos mais de profissionais de saúde e cientistas do que de militares. De qualquer forma, como estamos sendo governados por um ex-militar, com um espírito para lá de belicoso (apesar de muito cristão), vejo a lógica de combate muito presente em sua fala e atitudes. Faz como todo o governante que entra em uma guerra – manda o povo à morte em nome da nação! Faço aqui, caro leitor, duas perguntas sobre a guerra: quem é de fato mandado para a guerra e quais as suas causas?
Para responder à segunda pergunta, lembro-me do filme “Reds” (1981), do diretor Warren Beatty, quando em um banquete com ares burgueses e aristocráticos, após vários discursos inflamados justificando a Primeira Guerra Mundial, o jornalista americano John Reed, ao ser questionado sobre qual seria a causa da guerra, levanta e, para o espanto de todos os presentes, responde em uma única palavra: “dinheiro”. Então, para dar conta da primeira pergunta também, acho revelador que os soldados mandados para a guerra sejam jovens pobres para lutarem por dinheiro, um dinheiro que não lhes pertence e nunca pertencerá. É por isso que, nesses casos, a palavra dinheiro torna-se magicamente nação.
Apesar de não gostar da analogia da pandemia com a guerra, vou fazer um esforço de diálogo com aqueles dos quais discordo e desafio-os a enfrentar a crise gerada pelo Covid-19 com a estratégia militar que derrubou, nada mais nada menos, que Napoleão.
“Guerra e paz” conta a história de famílias aristocráticas durante os combates que os russos realizaram contra Napoleão, de Austerlitz, até a ocupação de Moscou (bem, pelo menos é neste ponto que estou no livro). Sim, os russos mandaram seu mujiques, que eram os pobres e miseráveis que aravam as terras da opulenta aristocracia russa, para a morte, digo, para a guerra. É claro, em nome de todos, em nome da nação. Isso me lembra do presidente do Brasil mandando os trabalhadores, cada vez com menos direitos (graças a ele), para a rua produzirem mesmo com o risco iminente da pandemia e de milhares de mortes como estamos vendo agora. Por sua vez, a aristocracia russa foi cobrada e teve que arcar com muitas despesas da guerra.
Nesse sentido, acho interessante a proposta de taxarmos as grandes fortunas brasileiras para combater a pandemia; sim, se observamos, proporcionalmente, os ricos pagam infinitamente menos impostos que os pobres.
Entretanto, a virulenta invasão napoleônica sobre a Rússia gerou uma resposta um tanto reveladora, após muitos recuos e não combates dos russos, quando Napoleão chegou a Moscou, encontrou as ruas vazias e, assim, foi derrotado. Portanto, fique em casa! Ajude a construir uma cultura de paz.