Ética e Política (V): o fanatismo

Rafael Koerig Gessinger
Advogado, Doutor e Mestre em Filosofia e Mestre e Bacharel em Direito (UFRGS)

No processo de deliberação prática que caracteriza a vida humana, individual e coletivamente, há certos riscos que exigem permanente vigilância. Um desses riscos é a perigosa confusão que pode acontecer quando tomamos um projeto particular como o fim último de nossa ação e perdemos todo distanciamento crítico.
É ao filósofo John Finnis, nascido em 1940, que devemos essa brilhante visão sobre o fanatismo: o apego cego a um meio determinado que, enquanto meio, se justificava na missão de realizar um fim (um bem básico, no jargão de Finnis), mas que acabou sendo confundido pelo agente com o próprio fim, a tal ponto que ele não quer nem consegue mais se distanciar criticamente desse meio para alterá-lo ou substituí-lo por outro, mesmo sendo o caso de que esse meio a que o agente está apegado esteja, no fundo, fracassando na tarefa de realizar o fim. Didaticamente, podemos voltar ao exemplo da aula de judô, na situação em que ela aparece como um meio apto a cumprir a determinação médica de fazer atividade física regular, em nome da saúde (fim). Imaginemos que, depois de um ano de aulas, o professor passa a ficar violento, provocando lesões nos alunos durante as lições. Alguém dotado da habilidade de deliberar bem tomará um distanciamento crítico da decisão original de ter escolhido aquela aula como meio e, com desprendimento, deliberará novamente para tomar outra decisão: persistindo o comportamento agressivo do professor, acabará por trocar de academia ou até mesmo de esporte, em nome do fim, no caso, a saúde. Se, porém, o sujeito está tão apegado ao meio escolhido no passado e pensa estar, mesmo diante das lesões e de outros inconvenientes, ainda assim realizando o fim com aquele meio, de certo modo porque já identifica aquela aula de judô não mais como meio, mas como o próprio fim ao qual está vinculado e absolutamente comprometido, então, nesse caso, ele está longe de ser um prudente; ele se tornou, de fato, um fanático.
Esse distanciamento – ou desprendimento – que impede o fanatismo é uma das características essenciais da capacidade de bem deliberar, que os gregos chamavam de phronesis, e os medievais, de prudentia. O contrapeso disso, isto é, o elemento que tempera o desprendimento é o comprometimento ou a persistência, que, segundo Finnis, impede que projetos particulares sejam levianamente interrompidos ou que o agente se desinteresse arbitrariamente pelos caminhos que começaram a ser trilhados depois de tomada uma decisão, fruto de deliberação.
A noção de fanatismo é uma excelente chave de leitura para decifrar enigmas milenares, como o de Antígona, ou atuais, como o comportamento de nossa jurisdição constitucional. O prudente não é míope, ele não confunde meio com fim. O meio um dia escolhido deve ser pensado criticamente e, eventualmente, substituído se não realiza mais satisfatoriamente o fim. No teatro grego, Tirésias não cansa de advertir: a prudência é o melhor que o homem pode almejar para si e sua carência é a causa dos infortúnios. E, como bem percebeu Finnis, faz parte da prudência esse desprendimento quanto a meios, distanciamento que previne a cegueira, que evita o fanatismo.

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